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20.11.14

Ninguém Lê - "Arrabalde" (Berimba de Jesus)




   Ninguém Lê é catarse mas também é provocação. O projeto de Victor Rodrigues e Ni Brisant, que oferece visibilidade, leitura e contexto a textos de autores fora da mass media, que antes rolava no Espaço Hussardos, agora rola do outro da Praça da República, na Galeria Olido. E a reestreia não poderia ter sido melhor. O convidado de novembro era Berimba de Jesus, e a obra a ser degustada é Arrabalde.
   Chego primeiro que todos à Galeria, pego ainda o espaço sendo preparado, arrumação das cadeiras, essas coisas... retiro um exemplar da obra com Victor (esqueci de dizer, a obra a ser discutida na roda é cedida gratuitamente pela organização - como ainda não tinha retirado o meu exemplar, peço e vou dar uma passada de olhos nas páginas lá na rua, enquanto tomo um café num muquifo qualquer das redondezas). 
   O livro é pequeno, quase tímido, um cupcake de palavras. Os textos, no entanto, são caudalosos, pesados, densos, descem com dificuldade goela abaixo. Texto de gente graúda, cheio de vitamina, proteína, carboidrato. Textos que engordam a cabeça da gente. Enquanto inspiro cada linha dos contos curtos, sorvendo o moca requentado, vou me deliciando com a possibilidade de trocar ideias com o autor sobre vários contos que acho legais de se discutir. Meia hora depois, saio do boteco, volto pra Olido, outros já chegaram, procuro uma cadeira, sento, logo o evento começa.
   Como já é praxe, fazemos uma leitura coletiva, cada um lê um texto. Serve pra alimentar-se da obra antes do início das discussões e também pra ir percebendo as texturas, entranhamentos, ritmos, figurações e estranhamentos que a leitura silenciosa pode ter passado batido. Fazer leitura grupal é também um exercício de ir se acostumando com a voz do outro, os tiques, a fluidez, um belo exercício para os ouvidos.
   Depois dessa introdução, o Victor faz as considerações iniciais, justifica a ausência de Ni e o público começa a interagir com o autor: surgem análises originais, curiosidades sagazes, questionamentos profundos: "a gente leu de uma assentada", "os textos são curtos mas têm muito peso", "trazem um certo desconforto", "lembram um pouco esses programas sensacionalistas da tv", "não são de final feliz"... E o autor: "Acho que ele (o livro) tem mais de Eli Correia ("Que Saudade de Você!"), que de "Cidade Alerta", "o título Arrabalde veio de ´Clara dos Anjos´, do Lima Barreto", "a literatura periférica tá tomando um corpo que tá ficando muito bonito. Literatura Marginal é outra coisa". 
    A conversa segue serena. Berimba é todo flower-power, nas palavras e nos gestos. Os textos densos de "Arrabalde" podem confundir o incauto que for lê-lo pela primeira vez. O certo, talvez, seria dizer que suas atitudes estão mais próximas de sua poesia que de sua prosa. Em dado momento, vem uma confissão, "prefiro ler mais Sacolinha". E, mais ainda, inquirido sobre quem gostaria que lesse "Arrabalde", o autor não titubeia, "queria que João Antônio e Plínio Marcos lessem". 
   Berimba de Jesus reforça, neste encontro, a imagem que já construíra dele, um artista de sensibilidade nata que, como Pound preconizou, é "antena da raça". Como não pensar assim de alguém que afirma  "acho que eles (João Antonio e Plínio Marcos) poderiam ter escrito escrito este ´Arrabalde´", ou então "se não fosse poeta seria operário"? Bingo! 




fotos: arquivo Ninguém Lê
texto: Escobar Franelas

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