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9.7.15

Resenha - livro "Os laços da fita" (Fernando Rocha)



Fernando Rocha na Casa Amarela (S. Miguel Pta.), clicado por Xavier

Os Laços da Fita (Fernando Rocha)

Uma mãe que perde um filho e o marido logo a seguir, que cuida do neto órfão, já que a mãe deste está internada pelo excesso de consumo de drogas diversas. Que vê o outro filho, mais velho, abandonar a promissora carreira de jogador e entregar-se passivamente à bebida.
Escrito assim, pode-se pressupor que “Os Laços da Fita”, segundo livro do escritor paulistano Fernando Rocha, é uma ode niilista, deprê, ao contrário, uma “desode”, uma entrega passiva da vida às circunstâncias impostas. É!
É isso mesmo. “Os Laços da Fita” é uma linha contínua de ruptura, que estabelece uma antiordem nas convenções medianamente aceitas.

A vida é muito longa quando se está sozinho sim, e não há companhia que resista ao fantasma da solidão, ele afugenta como cão bravo, ninguém tem coragem de encarar, muito menos de ouvir o rosnado feroz do silêncio.” (p. 74)

E mais, muito mais: Fernando Rocha é um autor que sabe como poucos burilar o interior nada homogêneo dos seres em processo que somos. Se as câmeras insistem em ter um plano composto, distante, frio e imparcial, o autor recorre ao close-up, à profundidade da digressão, dialoga com os demoninhos que habitam os pensamentos. Por exemplo, neste hiato poético de um dos personagens, dentro do enredo contundente da prosa:

Ora, Horas!
Este eterno cortejo fúnebre.” (p. 75)

Já em seu livro anterior, “Sujeito Sem Verbo”, Rocha nos indicava o caminho por onde trilha, entre as sombras, próximo das margens mais pantanosas, onde percebe melhor a massa do que somos feitos. Marceneiro que sabe como desbastar, lixar e limar a madeira com que irá esculpir um mundo muito particularizado, o autor instaura em sua obra uma construção in progress do humano, em que aos poucos vamos percebendo e reconhecendo cada nó da madeira, cada fio mantido visível, cada lâmpada mantida acesa ou apagada, cada fímbria por onde passam os pós que irão nos sujar, no sufocar, aderir em nossas peles e contaminar nossos olhos.

Em alguns momentos tropeçamos e entre o chão e o levantar parece estar a eternidade. Quando estamos eretos, não percebemos o tempo, mas com o rosto rente ao chão é possível ver as pegadas do fracasso, do nada, do vazio.” (p. 7)

Insisto neste preâmbulo noturno, pois é necessário não enganar o leitor: Fernando Rocha não oferece perfume; antes, mostra os espinhos. Propõe que enxergue a flor como ela é, em sua totalidade.
Em “Os Laços da Fita”, os fios se tornaram um único laço que por sua vez, virou nó, difícil de desatar. Arrisco dizer que este nó só se desfará se for em outro sentido, em outra forma, apertando, apartando, comprimindo e matando, homicida ou suicidamente; eufemística ou realisticamente. Faço, aliás, um recorte aqui: a capa é bem emblemática em oferecer subsídios para essa interpretação. Sua ilustração é uma forca. O nó dessa forca, contudo, é feito com uma sequência de diversos tipos e tamanhos da palavra “viver”. A gradação das quatro letras (o “v” é repetido), faz com que pareça uma corda industrializada, onde as linhas estão banalizadas, cumprem apenas a sua função primária. Viver então seria prender, amarrar, sufocar. Paradoxalmente, o fim utilitário dos vários “viver” encadeados, seria a morte. Na trama, porém, depois de percorrermos os subterrâneos sombrios, uma luz se insinua no fim dos túneis e corredores por onde trafegam a mãe que também é avó, o filho que também é tio, o neto que também é sobrinho.
Estar lançado no mar revolto dessas sensações que, de tão bem descritas, marcam nossas peles, envolve o leitor de “Os Laços da Fita” num enredo profundo, numa névoa que exigirá muito cuidado até chegar à ilha da redenção. Quem suportar esse mergulho profundo, não sairá o mesmo quando quando chegar ao porto seguro do último ponto, o final. Sairá dessas águas em estado de purificação, batizado, transformado e levitado. Nada de mitologias cristãs, por favor. Estou falando de outras inteligências: subjetivas, introspectivas e intuitivas.
Relendo essa resenha, tomo um susto, quase me sai outra coisa, um ensaio fugidio talvez. Quis elogiar, considerar, persuadir, mas só soube viajar nos labirintos de uma trama feita com os melhores cipós da floresta existencial. Perdoe, Fernando, mas não soube escrever de outra forma. Sei que seu livro merece considerações mais objetivas de gente mais competente mas minha tagarelice só me levou para esses mangues e pântanos. Mas a culpa é sua, quem manda escrever tão bem? Tão bem que confunde...

Onde foi parar o menino que chorava sentido? Agora ele escreve e acha que é mais bonito do que chorar, chega de estilística, meus olhos embaçados quiseram eternizar a beleza do comum, mas falharam.” (p. 29)

Escobar Franelas

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“Os Laços da Fita”
(Fernando Rocha)
88 pág.
Editora Penalux, SP, 2014 (www.editorapenalux.com.br)




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