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4.11.19

Resenha: Livro "Suba Mais Um Degrau Dessa Escada" (Joel Dias Fº)

Foto de Joel Dias Fº

"Suba mais um degrau, desça a escada, ou, 
a estreia de um jovem veterano nas letras"

Todos sabemos que a arte é uma espécie de sagração. É em sua manifestação, em seus louvores, em sua sublimação, que os seres se aproximam mais perigosamente do estado de "descerebração" que a determina. Na Arte, assim, como na vida (pois uma e outra se anelam, se envolvem num só corpo indefinido e indefinível), que as pessoas encontram o lenitivo para suportar o determinismo, o absurdo e as contradições da existência. A Arte é quem nos protege da morte. A Arte nos eterniza.
Joel Dias Filho, um dos inquietos criadores do canal de poesia e música Peixe Barrigudo (Youtube), do Slam do Prego (Guarulhos) e do Sarau Alfinete (também em Guarulhos), fotógrafo, videomaker e outros quetais culturais, também é poeta, desses natos, tatuados desde as primeiras manifestações pelo sol abrasador da fulguração criadora. Se é verdade que na natureza nada se cria, tudo se transforma, em Dias, tudo nasce ou se recria através do indizível, do improvável, da junção das águas do Rio Negro e do Solimões, da hipotética aproximação das auroras boreais e austrais. O poeta é daqueles que prescindem das oficinas de escritas criativas. Ele é a própria oficina, a escrita que pulsa naturalmente, a criatividade em situação exponencial.
Suba Mais Um Degrau Dessa Escada, livro que apresento aqui com argumentos apaixonados, ainda que lúcidos, é o primeiro com poemas de sua autoria, nascido com a assinatura do selo Va Cartonera (SP). Cartoneros são livros feitos normalmente em sulfite reciclado, com capas de papelão que estavam destinados ao lixo, pintadas à mão e os miolos costurados da mesma forma, um a um. Este modelo de publicação nasceu na década de 1990 na Argentina, como via de produção mais barata e autoral, diante de um mercado refratário e com excesso de filtros para textos independentes, principalmente de poesia. No Brasil, o nome mais celebrado é o do selo Dulcineia Catadora, mas o mercado para este tipo de publicação tem crescido de maneira vertiginosa e hoje autores de renome (e não só iniciantes), procuram este tipo de publicação para suas obras. A Va Cartonera tem se dedicado a suprir as demandas desse nicho de mercado com obras originais e criativas. Como este "Suba...".
Os versos de Joel, jovem autor de Guarulhos, nasce sustentado pela lírica de um escritor inspirado. A estreia parece indicar um veterano:

Dor
É reler todos os textos não enviados
Guardar no fundo da gaveta todos os poemas não lidos
(p. 28)

Todavia, o livro apresenta outras nuances que orquestram a favor da poesia em estado de excelência. O poeta alça voos inusitados, alcança horizontes imponderáveis, descortina texturas que deixam a pele à mostra:

Da vida só leve
O que é leve
Alegria amor e amizade.
Sentimentos de pesar
são muito pesados
Pra minha alma que quer flutuar
(p. 4)

E temos a soberba ostentatória que indica uma certa naturalidade no trato do ser com a inspiração. Fruto provável de muita conversa entre o elã criador e as leituras sensíveis que o poeta faz, das pessoas, do mundo, da vida.
Aí entra em nosso campo sensorial um sortimento de detalhes talvez não visíveis a quem não se deixar queimar pelo fogo da sua fátua poesia. Assim, o parágrafo de abertura deste texto tenta dar da questão premente que nos envolve na literatura de Joel Dias Filho desde os primeiros versos: o fortalecimento simbólico com o sagrado que a Arte nos remete. Isso fica bem exemplificado no poema em que cita uma influência primordial em sua construção:

"Akira me mostra um texto
Dizendo doer
não sei aonde
(...)
Fico me repetindo para ver se consigo
Me fazer ouvir meu próprio conselho
´Joel, não tenha medo do futuro.
Ele é só mais um passado
que ainda não teve a chance de acontecer´"
(p. 21)

Neste poema, e durante todos o percurso de Suba Mais Um Degrau Dessa Escada, Joel Dias Filho coloca-se em posição receptora (nunca submissa), admira o que lhe atrai e, principalmente, admite as trocas que a convivência humana determinam. Assim, a reverência do poeta (indicada em meu título), é, na verdade, um exercício de ascese, pois o artista externa sua prática além da estética, mas comunga com a ética.

Serviço:
Livro: Suba Mais Um Degrau Dessa Escada
Gênero: Poesia
Autor: Joel Dias Filho
Editora: Va Cartonera, SP
Ano: 2019 (1ª edição)
Páginas: 40

Foto de Luka Magalhães

Joel e sua mãe, a também poeta Rosinha Morais, em foto dos arquivos de Va Cartonera

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