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16.8.25

Resenha: "Haicaixambu" (Maciel Machado)

 Haicaixambu - Big bang de borboletas ao sol




O haicai é uma forma poética japonesa que chegou ao Brasil em 1908 a bordo do navio Kassato Maru, junto com os primeiros imigrantes. Logo os tercetos de 5, 7 e 5 sílabas tonais se popularizaram na nova terra e encontraram solo fértil para novas experimentações linguísticas.

Esse amálgama com a brasilidade permitiu texturas, ritmos e métricas inusitadas e legou nomes como Guilherme de Almeida, Millôr Fernandes, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Álvaro Posselt e Claudia González, da qual extraio este exemplar: 

volta às aulas – 

aluno atento à geometria 

da borboleta

Hoje, o haicai está estabelecido entre os textos canônicos da poesia brasileira. E como tal, continua a despertar aficcionados que se dispõem a burilá-lo como uma pedra a ser lapidada até que se torne uma joia rara e por isso mesmo, preciosa. É nessa seara que encontramos o escritor Maciel Machado, da cidade de Caxambu, no sul mineiro. 

Septuagenário, Machado acaba de lançar seu primeiro livro, Haicaixambu, depois de um largo tempo a estudar e praticar essa forma poética singela e insinuante (antes tinha publicado um plaquete intitulado HaiMac - Uma forma do velho Maciel ver a vida…). Se o título dessa estreia é um crossover entre as palavras “haicai” e “Caxambu”, uma faísca de estranhamento e de delírio lírico ressalta a vocação semiológica da capa do livro. Sua composição é uma trama reveladora da práxis do autor: a foto com folhas com folhas ocres repousando sobre um fundo acinzentado, em contraste acentuado pelo tom férreo. E se no contexto inicial - a capa nos faz deduzir - o haicai preconiza contemplações diante de um uma natureza onde o autor se esmera em flagrar e ampliar sensações:

Jardim ressecado

bastou um pouco d’água

o cravo sorriu todo molhado (P. 25),

isso realça a contradição irônica do homem e o seu meio social:

Na bancada fétida

peixe já sem vísceras

o peixeiro fuma (p. 12),

fazendo da brevidade desses versos a fugacidade de uma vida lógica. Aqui, o humor transcende a sobriedade poética com uma artesania informal inspirada no cotidiano. Machado não está preocupado com a obediência cega à tradição, mas injetar humor na paisagem e nas engrenagens dos eventos.

Passam pela cabeça todo dia

ideias, tristezas e alegrias

quantas viram poesia? (p. 74)

Se os haicais são constelações poéticas cujo pilar é a concisão e a simplicidade em três versos, em Haicaixambu, Maciel Machado captura instantâneos dispostos no mundo e os faz vibrar com luzes, cores e ritmos próprios, aliados a uma sagacidade natural e a experiência de vida viajada e fruída, da qual somos artífices e espectadores. Como deduz Girlene Verly, na apurada apresentação do livro, o humor alegre e leve, também contracena com um autor arguto, que fala de amor, sonhos, saudades diversas e uma perfeita integração à natureza. Afinal, como nos diz o poeta em sua extasia (pré? pós?) adolescente,

Não tem problema

o que sobrar 

vira poema (P.33).

Depois de Cora Coralina, Lia de Itamaracá, Cartola, Ivone Lara, Clementina de Jesus e Helena Meirelles, não deveríamos nos surpreender a descoberta de atributos em idades avançadas, mas Maciel Machado não é uma descoberta e sim a percepção de que o talento eclode no exato momento em que a energia da estrela encontra o pavio ávido da centelha. Quando isso acontece, é o big bang de borboletas ao sol. 






Serviço

Título: Haicaixambu

Autor: Maciel Machado

Páginas: 84

Edição: 2025 (1a.)

Editora: IS (Caxambu, MG)

Fotos: do autor

Foto do autor: Antonio de Souza


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