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22.11.07

Conto Erótico - "Viés"

Foi por volta da meia-noite que o telefone tocou. Eu estava no meio de um sono cansado, mas tranqüilo. Ouvi a campainha ressoar ao longe, em ruídos breves, que chegavam aos tímpanos pelo efeito da gradação. Foi aí que acordei. Peguei no gancho instintivamente, num sobressalto:
"Alô?"
"Por favor, o Ministro está?"
Despertei totalmente:
"Quem gostaria?"
"Eu só queria saber se ele está."
Tentei raciocinar. Estava difícil. Ao meu lado, um ressonar lento e suave contrastavam com o meu pavor, com a luz débil da lua, que incidia sobre a cortina:
"O Ministro está ou não está?"
"É... eu..."
"Ele está ou?..."
"Não!" – e bati o telefone severamente. Fiquei alguns minutos esperando o novo toque, tentando imaginar quem estaria procurando o Ministro ali, àquela hora.
Um gato miou. Levantei e adivinhei-o atrás das cortinas, sobre o muro lá fora. Seu dorso esguio sobressaía-se contra as folhas que tremulavam sob a luz opaca da lua. Tive vontade de fumar. Ameacei levantar. Ele se mexeu ao meu lado:
"Hã?!..."
"Dorme, meu bem, dorme."
Ajeitei a camisola que embaralhava-se debaixo do corpo. O corpo dele exalava um cheiro nauseante de suor e alfazema. Enfim levantei-me devagar e fui para a janela.
O telefone não tocava e eu não conseguia pensar em nada. O gato saltou do muro ao chão, caminhou pelo pátio e saltou no parapeito da janela:
"Miau!"
"Miau pra você também!" – berrei baixinho.
Acho que ele percebeu minha insolência e saltou de novo para o chão. Perambulou um pouco na sombra do muro e acabou sumindo entre as árvores que circundam o jardim.
O telefone não tocava e eu me exasperava com isso. Soprava uma brisa morna contra a janela e a lua derramava raios precisos e cheios de luz sobre meu corpo. Abri a janela mais um pouco. Não conseguia pensar em mais nada. Dois carros passaram ziguezagueando na estrada. Um deles tinha um farol queimado e de longe pensei que fosse uma moto. O cigarro acabou. O telefone não tocava. Joguei a bituca no chão, cerrei as cortinas e voltei para a cama. Tinha uma garrafa de champanhe pela metade em cima do criado-mudo. Bebi tudo no gargalo.
Sentei na cama e fiquei um longo tempo alisando os cabelo dele. Gostava disso, talvez porque soubesse que ele gostava disso. Gostava daquele ressonar sereno depois do sexo. Gostava... oras, gostava de um monte de coisas, mas a porra do telefone não tocava. Olhei seu rosto na penumbra, aqueles dentes cerrados em contrição. Era nervoso até dormindo. Por que será, hein? Observei-o longamente. Não conseguia pensar em nada mais. Diziam-no feio mas eu discordava. Era, antes de tudo, um atleta viril a serviço do sexo. Disposto, forte e, acima de tudo, completo. Eu não tinha do que reclamar. Ouvia amigas de manicure e cabeleireiro reclamar dos seus pares, justamente elas, casadas com dândis que orvalhavam beleza por todos os poros. Talvez fosse a pertinência do lugar, típico para alguma ficção ou divagação sobre a condição de humanas. Pois todas - ou perto disso -, exercitavam-se sobre a alquimia da reclamação. Eu, no meu round, asseverava com a cabeça, mas não reclamava. Não tinha motivos para isso. Tinha tudo num só homem. E isso me bastava para guardar silêncio sobre os segredos de nosso sexo e nosso amor único.
Então ele acordou. Primeiro se mexeu um pouco, virou de bruços, depois para o meu lado e, enfim abriu um pouco os olhos:
"Que horas são?"
"Meia-noite e vinte e cinco."
Mexeu-se um pouco mais, puxou o cobertor até os ombros:
"Tô com frio." – olhou-me nos olhos – "Você não tá?"
"Não."
"Vamos embora?"
"Vamos."
Ameaçou levantar-se, mas acho que o frio o impedia. Sorriu cândido:
"É, acho que tá na hora mesmo."
"É..."
"Antes vem cá, vem... Cê deve tar com frio também, tá sem roupa nenhuma."
"Não muito." – e fui cedendo devagar, deitando-me, medindo tempo, espaço e palavras – "Deputado?"
"Sim?"
"Quem é que chama você de Ministro?"
Ele premonizou. Pude adivinhar que afogueava-se todo no rosto:
"Minha mulher. Por quê?"
"É que... que uma voz feminina ligou aqui perguntando-me..." – e tomei um tapa na cara.
"Ah, seu viado, por que não me avisou antes?"

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