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5.11.08

Sincronismo Histórico

Ponto final: o dia 4 de novembro de 2008 é um dia histórico para o entendimento do mundo enquanto geografia global. Barack Hussein Obama, 47 anos, havaiano descendentes de africanos, mestiço(como ele se proclama), é eleito o 44º presidente dos Estados Unidos da América. Há exatos três dias atrás - já estamos agora no dia 5 - um outro negro, o inglês Lewis Hamilton se tornou campeão mundial de Fórmula 1.
Estamos diante daquilo que os filósofos citam como o "imponderável" na construção da estrada humana. Por uma dessas artimanhas que o destino nos impõe, fatos novos desfilam num recurso de fastforward na tela de nossos dias. O fato de dois negros cometerem dois feitos até então inéditos na história, nos colocam diante desde já diante de um vértice cronológico. Mas, e o mundo? Está preparado para lidar com essas situações? Desconfio que não.

Os dados nos dizem que houve um conluio de situações anômalas para que Hamilton se tornasse o primeiro negro a pilotar na elite dos carros de corrida. Foi preciso muito(muitíssimo) talento, o apoio incondicional da família, a aposta metódica de um chefe cujo currículo de descobridor de talentos é irretocável - Ron Denis - e uma equipe fortíssima e que desenvolve um trabalho de relógio suíço na mecânica de seus carros. Confesso anarquicamente que gosto da figura jovial e simpática do Massa, o brasileiro que melhor nos representa na categoria até agora. Mas perder a oportunidade de ver uma radicalização na história, isso eu não queria de maneira alguma. Então, depois de mais de 15 anos afastado "das pistas", eis que no domingo me vi dirigindo ao lado do inglês impetuoso, em cada curva do sinuoso autódromo de Interlagos. Foi maravilhoso, vibrante, chato e muito denso torcer por uma vitória do brasileiro ao mesmo tempo que queria o campeonato para Hamilton. Tudo bem, isso foi resolvido faltando menos de 500 metros para o fim. E tivemos um final eletrizante, não previsto em qualquer roteiro roliudiano. Ficou chato ver meus dois filhos tristes só porque o brasileiro perdeu. Pior, cruzou a linha de chegada vencendo a corrida e o campeonato, apenas não contava com a falibilidade da chuva, que antes provocara a vitória e agora a tirava, com a anuência do almeão Timo Block, que teve que "tirar o pé" para não rodar na pista, já que tinha pneus gastos e impróprios.

Mais anômalos foram os fatos que permitiram que Obama fosse eleito presidente no dia de ontem. Ele representa o oposto de todo conteúdo que sabemos fazer parte da orientação política dos estadunidenses. Por incrível que pareça, o fator cor é emblemático mas, velado na penumbra, diz mais em seu silêncio sepulcral do que outros detalhes da biografia do eleito: tem simpatias para a discussão sobre as desconfortantes questões que abordam a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o aborto; quer o fim da guerra do Iraque e essa insânia cega contra o terror; demonstrou aversão aos ritos maniqueístas da cristandade que dirige todo discurso e todo ato de grande parcela da população, que quer palavras de ordens e atos de bravura e coragem; e, principalmente, não é apenas militante negro. Fosse isso, teria sucumbido às intempéries diárias da construção de sua personalidade política. A vida já nos ensinou muito sobre até onde vão aqueles que não dominam a arte global de exercer a política.

Quer dizer, dois figuras que correm na contramão da história repentinamente e por motivos alhures entram em sincronicidade e provocam comoção e utopia num momento em que se respira crise e desencanto financeiro. Verdade reconhecida aqui, foram os ventos tempestuosos dos desencontros financeiros ao redor do globo que permitiram a Obama entrar para a história e não enfurnar fantasias. Caso o mundo continuasse em sua marcha lenta progressiva, provavelmente teria o mesmo encontro com a parede de vidro que impediu o ingresso de Gabeira há poucos dias atrás no Rio de Janeiro.

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