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19.7.11

Entrevista ALESSANDRA ESPÍNOLA (Poesia) - PE

"Carioca de nascimento e recifense por adoção(e coração), Alessandra Espínola, 32 anos, é dona de uma poesia que espirra o contemporâneo em nós. "Batedora de pernas" convicta, viajante de si e do geográfico, é dessas poetas(e cidadãs) que não se curvam à rotina, antes estão sempre a martelar um golpe novo para os seus anseios de criação. E a galopar em palavras, em barro, ouvindo música, circulando, no cinema, enfim... aonde sua imaginação e força física permitir. Criadora do blog http://poesianaveia.zip.net, ela me ofertou essa entrevista exclusiva, via e-meio."

 1) Percebo em seus escritos uma intensa vibração corporal. Você "pensa" com o corpo, ou isso é só uma abstração natural?    
Agora mesmo estou "pensando", é mais fácil pensar com o corpo, perguntar, pedir ou responder. Por exemplo, eu não sei pedir nada, nem responder nada, mas pensar ou pedir com o corpo parece que é mais claro, mais lúcido, mais simples, vem a resposta também, mesmo que incompreensível  ou misteriosa.    Acho que só sei pensar assim. Ah, poder ser o frio dessa estação do ano, às vezes vem o sopro de vento na face, na orelha, nos olhos que até queima, uma chuva fina ou banho frio que dói até o osso, desperta os músculos, tem aquela golfada de corpo inteiro e tudo fica muito exposto, os pêlos, os poros, os pingos de todos os is, os pulos por certa eletricidade, depois o enroscar e esfregar do corpo - um troço troncho, um gemido vindo de dentro sem querer e até mal elaborado, depois se espicha todo de novo confortável, aquecido, disposto. Depois vêm as outras estações...    Talvez eu devesse pensar mais de outro jeito. Acho difícil abstração. Eu sou fácil.     
Fragmentos do instante 5:
1. A razão me desconhece.
2. Ando recolhendo abismos.
3. Me descuido das informações.
4. A palavra me desavença.
5. Estou desagregada de pássaros.
6. Porque a rosa é um gesto.
7. Esqueço de colecionar coisas, no futuro terei saudades.
8. Faço escultura de idéias.
9. Palavras o vento não leva.
10. A vida (vibra) na batuta do tamborim. Na palheta do pandeiro.
11. Onde a gente dói? Onde dói um homem?
12. Silêncio: é porque também descompreendo.
13. Dizem que tenho a poesia na veia, mas tenho a experiência do patético e do absurdo.
14. A realidade me desilude e me fadiga amargamente.
15. A vida é mistério sem enigma.
16. Escrever é a minha melhor hora.
17. Sou a conjugação das minhas relações e a agonia do que delas não pode ser feito.
18. É no intervalo da eternidade que nossos tempos se penetram.
19. A cidade inteirinha pode desabar. Ser levada pelas águas. Ainda faço um poema que não se podia. Levanto versos, coisifico prosas, crio uma linguagem de dizer deus.
20. Magnólias: Mulheres que amam a vida.
21. Eu toda ponto G.
22. Estou juntando os cacos, cascos, ossadas. Sobrou quase nada no meio-do-sem-fim de deserto de (meu) mundo.
23. A linguagem é um estado de aleluia em mim.

2) E quem é Alessandra Espínola? 
E eu sei? Sei nada, sei pouco de mim, sou uma egoísta que usa essa possibilidade recorrente de falar de mim, mas parece nunca falo, também pode ser que eu não seja tão egoísta assim, porque no fundo quando falo de mim estou falando do outro,  sei-me com o corpo, vida é aqui ó, no corpo, eu sou intoxicada da vida.    Alessandra Espínola é essa porra agarrada na garganta, o vômito para fora da janela do ônibus. O conta gota, mas que não conta as gotas, aperto e me espirro num jato inteirinho, sabe como é? Sou essa agonia entre o espetáculo e o corpo pendurado na corda - forca, força segurando o corpo nos ares, essa coisa indescritível do instante entre os olhos e o lance de guilhotina rascando o ar, rasgando a jugular.    Sabe aquela linha emaranhada de pipa ao redor dos pés, então a gente corta a linha, aí é a pipa voada e a linha embolada na terra, quanto mais a gente mexe mais embola... depois o desenlace... sou o gongolo no quintal da casa, se tocar enrosca todo, a dormideira na estradinha, se você só assopra ela se mexe inteirinha num balé simples, delicado e espantoso, repentino...Sou a lagartixa e o rabo solto, epilético, solitário que ainda vive, sente o corpo depois do corte.    Sou o último filete de nervo (dentro da carne e à flor da pele) que não tem mais irrigação, mas ainda vive, insiste em estar vivo. O apêndice ao revés.

3) Quando foi que começou essa epifania corporal em sua vida? Já na adolescência?
Me demorei nessa pergunta tentando lembrar desse quando.    Descubro: foi quando nasci. E nascer não é senão uma epifania corporal... (?) Aí fui percorrendo o quando do tempo no meu corpo, porque está tudo aqui, no meu corpo, então na adolescência houve, como tudo, aquele boom, aquele zoom, aquele pif, de epifania mesmo, que é quando tudo nasce, eclode e explode e depois-tudo-de-novo-todo-tempo que é quando. Quando, por exemplo, os pêlos, as carnes nos crescem concomitante com os imensos desejos e outras coisas nem sempre agradáveis.
Caleidoscópio de jóia.
Réstias de sol
na clara bóia.
4) Fora o seu blogue, onde mais você escreve?  Já publicou alguma obra?          Num caderno em pé meio desmantelado de arame, e em algumas folhas soltas. Não publiquei nem uma obra ainda. (sic)


um dia ainda
vou rir da tua cara
cara a cara
5) E agora, o que você está "aprontando" para seu público, os seus leitores?
Não tenho nada pronto ainda, mas estou gostando de uma idéia que tenho, algo como  flashes no escuro, coisas simples, poemas pequenos. E outro algo com prosa também como uma espécie de diário - já que nunca fiz um diário.
  
6) Quem você poderia citar como influências confessas em sua vida e/ou seus trabalhos?
Nos dois aspectos, meu pai Armando da Conceição e a escritora Clarice Lispector, mas principalmente eu mesma me influenciei demais como uma coisa que tem raízes em si mesma e se suga demais, pois tem húmus demais.  
[A vida... ]

A vida é uma

urticária gigante
(essa que sou)

pode ser

que dizer

desintoxique.
(Texto publicado originalmente no Recanto das Letras em 30/10/2008)

Um comentário:

luiz gustavo disse...

Alessandra é:


o ocaso de mim
entre ramos de ciprestes
o alvorecer de ti
entre gotas de orvalho
assim te levo
ao mar tenebroso
onde o vento
nos (a)guarda
onde há o sol
que (t)arda