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13.5.12

Entrevista - Cléston Teixeira

Cléston Teixeira, sessentão, está feliz da vida. Está bem, bem mesmo; acabou de tirar do forno um novo cd "O mundo partiu-se em dois", 30 anos após o primeiro. Conversei com ele exatamente no dia em que lançava o disco, numa festa muito bonita na Casa de Farinha, em São Miguel Paulista. Pra completar o  clima de júbilo, o evento aconteceu no dia do seu aniversário, dentro do projeto Bem Te Vi, Itaim, uma ação-entre-amigos que está promovendo uma série de eventos no espaço e que arrecada fundos para o lançamento de um livro de poesias do Akira Yamasaki, no mês de seu aniversário, em agosto.

Cleston Teixeira, sessentão, mas cheio de energia e novidades (foto EF)

Escobar Franelas - Queria saber sobre suas expectativas para hoje à noite. Estamos aqui em São Miguel, com você, o Luiz Casé e o Claudio Gomes. E aí, como você está?
Cléston Teixeira - Bem, pra mim, hoje é um dia cheio de importância. Primeiro, o fato de estar participando mais uma vez de um dos eventos importantes aqui da região, meus amigos reunidos, pessoas que são, além de carinhosas, muito criativas. Ajudam a continuar criando, fazendo coisas novas. Também é meu aniversário. Minha mãe está aqui, as pessoas que amo demais estão junto comigo, e vou ter a oportunidade de fazer minha apresentação, que é uma continuidade do meu trabalho. Mas é um dia especial também porque estou tocando um CD novo, recém-lançado.
Isso já aconteceu em 1982, na época do LP, quando lancei lancei meu único disco até então. E eu, com uma produção independente, como essa agora.  Esse disco novo tem um caráter bastante diferente daquele, que era coisa de jovem, que era o cara querendo pensar em carreira, em fazer coisa nova.
Este é um disco tranquilo, feito com o apoio de gente querida, que me estimulou a fazer a o CD diferente da outra situação. Agora tô muito mais centrado. Aos 60 anos, o que você queria? (risos)
Foi muito legal a produção, o trabalho com o Mizinho, com o Mizão, com os outros dois músicos, o maestro Nunes e o Cafu, que participaram e gravaram o CD muito legal.
Infelizmente hoje eles (nota: Nunes e Cafu) não estão aqui. Fica nascendo a partir de hoje um retorno, um ocupar o espaço que,a credito, seja possível para mim, tocando coisas novas, que foram criadas aí.
Isso, pra mim, é mais um renascer. Cada dia a ente renasce, cada novo aniversário a gente renasce, é a minha sensação hoje.

Início do show: a trupe toma a Casa de Farinha de assalto (foto EF)

EF - Então confirma isso: hoje então é o lançamento do novo CD?
CT - Exatamente. É a primeira vez que estou fazendo um show com o CD pronto. 

EF - É o "batizado da criança"?
CT - Isso mesmo. (rindo) É o "batizado da criança. Eu entreguei pras pessoas, estou usando pra tentar marcar uns shows, certo? É essa a finalidade desse trabalho, prensei os primeiros 200 com intenção de abrir frentes, abrir portas, vendendo, evidentemente. 
E hoje estamos vendendo o CD para que parte da renda se reverta para o projeto Bem Te Vi, Itaim,  que é para captar recursos para fazer o livro do Akira. Uma ideia maravilhosa...

EF - Vamos retornar ao primeiro disco, afinal, são 30 anos repaginados. Você acha que o som etá diferente, a vida tá diferente, a musicalidade em si tá diferente? O que tem de diferente, digamos, entre o conceito do primeiro e este disco?
CT - Este disco na verdade foi uma coleta das músicas mais recentes que eu tinha feito. Como naquele lá, mas lá eu vinha de 15 anos de trabalho no teatro, shows, eu queria colocar tudo num disco só. E estava num gás danado. Na época, as sonoridades exigidas para quem estava no mercado e a complexidade dos sons eram muito mais exigentes que hoje. Pra mim, não que o mercado esteja mais simples ou não, o que consigo hoje é muito mais simples do que eu conseguia faze antes.
Tanto que quando eu fiz esse CD eu não fiquei pensando no resultado dele, no mercado. Eu pensei a maneira de fazer o CD. E a simplicidade com que a ente conseguiu colocar as coisas.
Eu digo "a gente" porque o Mizinho, o Mizão, o Nunes e o Cafu, eles foram decisivos, né? Mas eu semrpe puxei "pra menos", não quis fazer um coisa muito excessiva e tal. O show é mais forte que o CD. Quando você vai pro palco, pra cima, ele é mais importante que o resultado que eu busquei. A minha sensação é que houve uma alteração muito grande. Porque, por exemplo, pra fazer um CD como este naquela época era uma "demo". Esse som, pra mim, é uma "demo". Estou demonstrando o que estou sentindo agora de uma maneira verdadeira.
Naquele disco anterior eu tinha muitas ideias, ao mesmo tempo muitas energias diferentes e simultâneas. Nesse, eu tô com o foco mais tranquilo, voltado para executar as coisas de minhas experiências amorosas, da minha avaliação da realidade de hoje.

A mãe na plateia: apoio incondicional ao filho (foto EF)

EF - Outra coisa: o projeto Bem Te Vi, Itaim, o que você acha disso?
CT - É uma coisa inesgotável aqui na região, muito necessária e que tem pouca coisa efetiva feita. A gente apanha muito entre nós mesmos, não conseguimos ter uma energia somatória constante, a gente depende de golfadas de energia de um ou de outro. 
Por exemplo, o Quintas Culturais, que a gente tinha  e dependeu exclusivamente do Raberuan. Ele que tocou por mais de um ano, nós tocamos juntos, participando, mas quem deu o pontapé para que fosse feito lá, no bar do Wlad, foi o Raberuan. Isso é maravilhoso porque o que teve de cosia diferente, sem limitação, sem censura, sem trava alguma... A gente pode fazer muita coisa.
Este projeto (nota: Bem Te Vi, Itaim), tem um fio condutor mais afetivo, que é essa ligação com o trabalho de um cara que é muito querido por todo mundo. É outro valente, agitador cultural, com A Casa Amarela hoje e milhares de coisas que fez em Itaim, S. Miguel e tudo o  mais. O que dói um pouco é a gente olhar o ambiente cultural da zona leste e ver a falta de prumo, ver dinheiro gasto em Fábrica da Cultura, em proposta de centro cultural, bla bla bla, tudo atomizado e não tem prumo, não tem olhar praquilo que possa responder à realidade da sociedade.
Eu tenho uma experiência que acho que posso contar. Nós (nota: Cléston, Akira, Raberuan e o poeta Gilberto Braz) fizemos outro projeto que foi aquela proposta de fazer espetáculos nos CEUs (nota: o show Integração e Rupturas, que rendeu apresentações em alguns CEUs da capital em 2009). Muitas vezes você faz referência a Caetano Veloso, Gilberto Gil, trechos de músicas inteiras, faz referência à cultura, gente de poesia, e o público não conhece. Então, o buraco aonde estamos mexendo é muito fundo. Quando falo da falta de rumo, é disso que eu falo. Você tem que falar com um público que está completamente distante da informação e realidade cultural brasileira, e não tem mais capacidade de avaliar.
Não é falta de cultura ou de má qualidade da pessoa ou do público em geral, é falta de acesso á informação. Então tem três gerações, pelo menos, que não tem noção do que seja uma nova cultura. Tem uma nova geração saindo ainda mais fresca, bombardeada pelo sistema, só ouvindo a informação cultural que o sistema quer nos dar, com a reação que a ausência disso provoca.
Tá na cara que não tem rumo, não tem prumo, é descontrolada. É forte, poderosa, mas não tem finalidade, não tem propósito. Atira prum lado, atira pro outro. Nós, que somos dinossauros de uma época, que sonhamos com uma transformação do mundo, ficamos olhando, "caralho - desculpe a expressão - o que é que a gente faz?" Pra onde a gente olha, tem que sobreviver, fazer as nossas coisas, se virar, pra fazer o nosso trabalho.  Mas não é pensada pelo governo, pelas entidades privadas, não é pensada por ninguém.
Wilson Reis, exímio baterista da banda de Cléston (foto EF)

EF - Você falou de formação de público e a gente sabe que, historicamente, o MPA trabalhou essa questão. Sei que você tem uma ligação muito forte com o movimento, sem ser da zona leste. Como começou essa relação?
CT - O que aconteceu foi o seguinte: nós fazíamos parte de um grupo de teatro chamado Núcleo Independente que tinha Denise Del Vecchio, Celso Frateschi, Edson Santana, Paulinho Ferreira, uma grande plêiade de pessoas maravilhosas que se juntaram. Através do trabalho do Teatro de Arena, coordenado pelo Boal, Guarnieri, esse pessoal decidiu fazer um trabalho de difusão da técnica do desenvolvimento do trabalho teatral na periferia de São Paulo. Nós saímos, antes de vir para a zona leste, fizemos uma boa parte na zona sul, zona oeste, passamos pelo menso 3 anos fazendo espetáculo. A Epidemia de 1918 foi um dos que rodamos por várias regiões da cidade de São Paulo, usando as estruturas comunitárias existentes, associações de bairro, mas basicamente as Comunidades Eclesiais de Base (CEB). A Igreja tinha um trabalho todo, era o início de uma organização que depois acabou virando o PT, tivemos uma participação importante nos quadros que teriam uma visão analítica e crítica que nós gostaríamos de desenvolver nessa área.
Quando batemos aqui na zona leste, encontramos um caldo já quente, com o pessoal, em específico aqui nessa região de S. Miguel, mas também na Penha, Cangaíba, aquela turma toda super-interessada em possibilidade de usar um espaço, que era o Teatro Núcleo, para mostras de cultura, arte, música. Isso aproximou a gente de um  movimento autóctone que estava acontecendo, que era o MPA. Começamos uma parceria com a turma que estava organizando isso, através das mostras  que realizávamos. Alguma coisa do modelo do que fazíamos foi lá pra dentro do MPA, tanto das experiências que fazíamos, oficinas, como com o trabalho dos artistas que iam se apresentar.
Fazer uma troca de informações, de forma a favorecer primeiro a formação de grupos de teatro, esse erao nosso objetivo.
Depois fomos fazer a aproximação com essa galera e tentar oferecer técnica, equipamento, ação, experiência, nessas atuações mais profissionais, em relação ao trabalho.
Foi nisso que acabei criando uma relação de amizade com as pessoas, com os parceiros, como Raberuan - principalmente - depois o Sacha, e depois o Akira. Era muito mais tempo vivendo aqui mas morava lá. Todo dia eram centro e tantos quilômetros e minha vida virou essa sanfona até o final de 84, 85. Então me distanciei.
Mas os movimentos organizados  - com o próprio MPA  - já estavam em fase de dissolução, por causa do envolvimento com a atividade política que, a partir da liberação dos partidos e tudo mais, passou a usar o gancho da militância para extrair de dentro do movimento cultural, personagens para trabalhar que estavam na ação política  do que estava acontecendo, principalmente na Secretaria da Cultura.
Essa "desmontagem" também desmontou o Núcleo, também fomos parte da desmontagem das ações culturais. Tanto que todo o trabalho de periferia que nós, o pessoal do União e Olho Vivo, foram todos desmontados, curiosamente num período em que a esquerda tinha chance de fazer isso crescer.
Especialmente as pessoas que são mais difíceis de se encontrar em movimentos culturais, gente com capacidade de coordenação, administrativo, visão, e faz as coisas andar; esse cara foi levado para não sei aonde, tirado da ação principal que ele tinha.
Esse foi um erro estratégico da esquerda quando ela chegou à coordenação política, com o Guarnieri e os caras que tinham toda uma experiência anterior. Aí fizeram um monte de bobagem quando lá chegaram. Acompanhei isso, vi as coisas acontecerem, ficaram numa de defender camarilhas, grupos pequenos, trazer gente que precisava apoiar o político tal.

EF - Voltando para hoje, qual a sua expectativa?
CT - Sei lá, o frio na barriga tá muito grande. E as pessoas todas, a estreia da banda, tô assim... Daqui a pouco vou trocar minha roupinha e vou entrar lá pra ver o que dá, né?

Mizinho Carvalho, produtor do cd e tecladista do show (foto EF)


Priscila, percussão felina e feminina (foto EF)

Mizão (ou Mi Maior) de Carvalho, produtor do cd e guitarrista stoniano (foto EF)

Um comentário:

Cleston disse...

Como ninguém postou nenhum comentário eu, quase dois anos depois, confirmo o frio na barriga e a vontade de tocar mais e mais. Tocar e cantar. Por isso vem aí "VOA CANÇÃO".