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9.11.12

Entrevista - Cida Santos (historiadora da zona leste)



Em algum dia da década de 1990 recebi em minha casa a visita principesca do cantor e compositor Cacá Lopes. Ele, cortês, deu-me de presente um exemplar do livro Zona Leste Meu Amor, de Cida Santos. Eu não a conhecia, mas a partir da leitura dessa obra essencial, comecei a “acompanhá-la”, segui-la em suas andanças públicas. Mas ela não sabia de minha existência. O tempo passou e surgiram então essas novas tecnologias maravilhosas que permitem uma aproximação mais sutil entre as pessoas.
Troquei alguns e-mails com Cida, tornamo-nos amigos no Facebook e enfim nos encontramos em maio desse ano para um abraço fraterno durante um evento do Projeto Bentevi, comandado pelo poeta Akira Yamasaki, no restaurante Casa de Farinha, em São Miguel. 
Ficamos, estamos, somos, amigos desde então. Na sinceridade mais genuína que se possa construir - ou permitir.
 1)      Quem é Cida Santos?
Resposta: CIDA SANTOS, 57 anos, Assistente Social por opção, formada na Faculdade da Zona Leste (hoje, UNICID) e escritora por acaso. A profissional fala mais alto sempre! Descobri, desde criança, que queria ser Assistente Social, sem saber ao menos o verdadeiro significado da profissão.
Quando iniciei meu estágio, no primeiro ano de faculdade, estava eu numa das muitas favelas que conheci e entrei num barraco pra conversar com a moradora e percebi que sua filha não parava de chorar. Aí perguntei pra aquela senhora, por que sua filha chorava tanto e ela me respondeu:
- Ela está com fome e eu não tenho nada para dar a ela.
Num gesto automático, saí correndo, fui num daqueles botecos  que existem nas favelas e costumam ter de tudo, pedi dois pacotes de macarrão, um litro de óleo e um quilo de sal; paguei e retornei aquele barraco e entreguei tudo para aquela senhora, que me agradeceu muito. Saí do barraco de alma lavada, “achando” que salvei o mundo! Ledo engano, ao entrar no segundo, no terceiro, no quarto barraco, a situação era a mesma e eu só tinha dinheiro para chegar até a minha casa, pois havia necessidade de tomar dois ônibus. Sentei-me numa pedra que havia naquela comunidade e comecei a chorar e aí, a minha orientadora sentou-se ao meu lado, perguntando o que havia acontecido? Relatei o ocorrido e então ela me disse:
- Se você acredita que ser Assistente Social é isso, então é melhor você parar por aqui e rever os seus conceitos. Naquele momento, senti uma tristeza tão grande, mas ao mesmo tempo descobri que serviço social significava algo muito mais nobre que promover o ser humano, era muito mais importante do que “dar esmolas”. Cresci muito a partir daquele momento e optei por continuar meus estudos. Eu e outras colegas passamos a promover ações de geração de renda, criar vínculos com todas as famílias e a vida delas começou a mudar.
A partir do momento em que você cria vínculos com uma comunidade, é incrível, as pessoas passam a ter consciência dos seus valores e automaticamente elas mudam de vida. Passei a entender a profissão que eu havia escolhido e me entreguei de corpo e alma. Ser Assistente Social, hoje é minha Missão.

(Nasce a escritora)
A escritora nasceu por acaso. Andando pelos caminhos tortuosos da minha querida Zona Leste, descobri “pequenos mundos” que me fascinaram! Conheci “líderes de comunidades”, como José MESSIAS da Silva, ELGITO Boaventura, Santo,   Amaury Joaquim da Silva, Seu Luiz, Vera Lucia Alves da Silva, Luzia Monteiro, Padre Ticão, Dalva Paixão, Seu Espíndola, Luizão, Seu Elias, Chico Terra, João Lucas, Honório Arce, Socorro, Dona Lola, Jorge do Carmo, Tauá, Ana Maria Martins, etc... e tantos outros, líderes no sentido exato da palavra, que me davam lição de vida a cada momento. Um deles, o MESSIAS da Favela Jardim Robru, passou a ser o meu “herói”, tamanha era a admiração que eu tinha por ele!
Em nome de fascínio pelas lideranças, decidi escrever um livro e o título nasceu primeiro: ZONA LESTE MEU AMOR. Fui colhendo depoimentos de todos eles e o primeiro livro ficou pronto rapidinho. Lembro-me do lançamento, na Casa de Cultura Chico Mendes, que o meu querido amigo Cacá de Oliveira era o Diretor. O evento teve início às 8 da manhã e só terminou às 18 horas. Foi um evento e tanto, porque tratava-se do primeiro livro sobre a Zona Leste e que contava a história de heróis anônimos que as pessoas “achavam” que conheciam mas, que na realidade, por trás deles havia uma riqueza cultural muito grande.
Acredito que em toda a história da ZL, nunca alguém conseguiu reunir tanta gente importante num só lugar e num só dia! Tinha gente de todas as classes sociais e  políticos de todos os partidos, todos ali, debaixo do mesmo teto! Foi realmente um dia inesquecível! Pra mim e para todos aqueles líderes, que se transformaram em “amigos” de verdade! 

2) Baseada nessas experiências tão ricas, como você sente o mundo hoje? As coisas realmente melhoraram? Ou há uma ilusão de ótica na interpretação do social?
R: O mundo hoje, meu caro Escobar, penso que está havendo uma grande inversão de valores... As pessoas perderam muito de sensibilidade, tornaram-se “práticas” demais; o essencial, o simples, perdeu o valor! O ser humano está valendo muito pouco. Não estou sendo pessimista não; sei que ainda existem pessoas “que pensam”, que “fazem” a diferença, graças a Deus!
Quanto ao social, sim, há uma ilusão de ótica na interpretação de muitos, principalmente para grande parcela da população pobre e também dentro da classe política! O social tem sido interpretado como uma “muleta”... Poucos buscam a “promoção” do ser humano e muitos desejam que o ser humano não cresça, não desperte para a vida; para eles, é melhor que o ser humano continue sendo “coitadinho”, porque o “coitadinho” precisa de esmolas, o “coitadinho” será sempre “dependente” de tudo!
Mas vejo uma luz no fim do túnel, pois percebo em alguns lugares, muitos jovens despertando para a verdadeira vida, pensando como “gente grande”, fazendo arte com consciência, preocupando-se com os graves problemas que o País enfrenta. Tudo isso traz a esperança e a gente passa a acreditar que ainda é possível vivermos num mundo melhor.    

3) Você citou grandes nomes que contribuíram para o crescimento da zona leste. Eles deixaram "herdeiros" de suas militâncias?
R: Sim, nomes importantíssimos que misturam-se com a própria história da Zona Leste! Contribuíram muito para o crescimento dessa região, mas fico procurando outros líderes, iguais ou semelhantes e não consigo visualizar nenhum!!! Talvez, no momento atual, eu esteja um pouco distante da ZL, por estar morando aqui em Laranjal Paulista! Mas, nunca mais ouvi falar de líderes como o Messias, por exemplo! Ele era capaz de dar a vida pela sua comunidade! Será que hoje existe alguém na ZL, que seja capaz disso? Não sei, penso que é muito difícil! Mas a essência desses grandes líderes ficou em nós, para que possamos perpetuá-los pela eternidade! Hoje, dentro de comunidades, eu só vejo um líder, capaz de coisas excepcionais! Esse Homem chama-se Padre Ticão!  

4) O que a faz acreditar que não há mais líderes como estes que você citou? Estamos realmente vivendo o fim das utopias?
R: Você fala em utopia! Penso que eles viveram, realmente, a maior das utopias!!! Por outro lado, eles foram capazes de transformar a Comunidade em que viviam, mudaram planos de governo, foram presos muitas vezes, enfrentaram tempestades, mas mudaram muita coisa, então não foi um sonho? Foi tudo real...
Penso que o mundo mudou e os líderes também mudaram! Talvez estejamos mesmo, vivendo o fim das utopias e isso me causa certa nostalgia...

5) Quais livros você publicou?
R: Publiquei dois livros:
 Zona Leste Meu Amor – Personagens de uma história de lutas – 1994 – 144 páginas – Editora Marco Markovitch
 Zona Leste Fazendo História – 1997 – 144 páginas – Editora Marco Markovitch

6) Tem intenção de publicar mais algum?
R: Sim, eu gostaria de publicar mais um livro, creio que no início do próximo ano! Estou fazendo uma pesquisa sobre a história de minha família materna “os Ferrari”! São muitos e muitos anos, que meus “nonnos” maternos vieram de Verona/Itália. Desde 1892, já se passaram 120 anos, que essa família foi se formando aqui no Brasil! Essa pesquisa envolve muitas viagens e, neste momento, não estou conseguindo viajar devido à doença de meu pai. Mesmo assim, tenho obtido muitas informações através da  internet. Já tenho pelo menos 200 páginas escritas e cerca de 2000 fotografias! Creio que até o início de 2013, vou conseguir. A história dos Ferrari é fascinante!

7) O que a fez sair da zona leste da Sampalândia para Laranjal Paulista?
R: No ano 2000, precisamente no dia 26  de março, infelizmente, minha mãe faleceu... Fato esse que mudou completamente a minha trajetória. Meu pai ficou sozinho aqui em Laranjal Paulista e eu não tive outra opção, fiquei aqui, cuidando dele. Já no mês de abril, o então Prefeito de Laranjal Paulista me nomeou Secretária Municipal de Assistência Social, cargo esse que me deu muita projeção na região e muito prazer em exercê-lo. Naquele ano 2000, o então Prefeito perdeu a eleição e eu resolvi retornar para SP, mas fiquei apenas dois meses, pois o novo Prefeito eleito convidou-me pra exercer o mesmo cargo naquela nova gestão. Em resumo, fiquei mais 4 anos. Se não bastasse isso, esse Prefeito foi reeleito e eu permaneci por mais quatro anos no mesmo cargo. Nesses nove anos, tive a oportunidade de contribuir muito para o crescimento da área da assistência social em minha terra natal e isso me orgulha muito. Implantei uma Secretaria que, antes não existia, desenvolvi projetos sociais maravilhosos!
Um projeto, em especial, a CRECHE NOTURNA BRASILIA FERRARI DOS SANTOS (em homenagem à minha mãe), foi tão pioneiro na região, que me projetou muito como profissional. Fui premiada pela Fundação Getúlio Vargas entre as Vinte Experiências  Inovadoras no Brasil; apresentei esse projeto no Rio de Janeiro para uma plateia muita seleta. Foram vários projetos sociais que a população colhe os frutos até hoje.
Já em 2009, tendo acabado o mandato daquele Prefeito, decidi retornar à SP, mas fiquei apenas 5 meses, pois fui convidada para ser Secretária Municipal de Assistência Social do Município de Conchas (terra de minha mãe), que fica a 18 km daqui de Laranjal Paulista e aceitei mais um desafio. Fiquei nesse cargo por quase três anos, tendo saído agora em fevereiro de 2012. Esses doze anos de Secretariado, trouxe-me uma experiência muito rica dentro da área de assistência social e me deu a oportunidade de ficar mais próxima de meu pai, que hoje, tem 93 anos de idade e precisa muito de atenção mas, por outro lado, a Zona Leste não me sai da cabeça.
Continuo mantendo a minha residência oficial na Cidade A. E. Carvalho, pois esse é o lugar que eu aprendi a amar como se ama a um filho. Tudo o que sou, tudo o que construí em minha vida, está na ZL e é totalmente impossível esquecê-la! Afinal, a ZONA LESTE É O MEU AMOR!

8) Quais são seus planos para o futuro imediato?
R: De imediato, estou deixando a vida acontecer... Como já disse, estou cuidando do papai e vou permanecer por aqui, porque ele está precisando de mim. Estou aproveitando, também, para estudar, estou me atualizando na área social, pois é uma área muito dinâmica, que muda a cada dia e é necessário acompanhar tudo isso!

9) Quais obras (cinema, livro, teatro, música etc) que são referência para você?
R: Minhas preferências? Cinema gosto, mas não sou fanática! Literatura, amo de paixão, todos os grandes escritores brasileiros, apaixonada por Guimarães Rosa, Jorge Amado, Machado de Assis, Ferreira Gullar e muitos e muitos outros! Amo o Poeta Chileno Pablo Neruda, o seu livro “Confesso que Vivi” é o meu livro de cabeceira, junto com “Água Viva” de Clarice Lispector! Enfim, tudo o que é bom eu gosto de ler.
Sou apaixonada pela poesia de Escobar Franelas, Francisco Xavier, Alvaro Posselt, Akira Yamasaki, Gilberto Braz, Paulo Alvarenga, José Vicente de Lima, Cecília Fidelli, Yohana Sanfer, esse povo mais novo que me encanta com seus poemas todos os dias! O teatro eu amo de paixão, lembro-me da Escola Dom Pedro em São Miguel, lá pelos idos de 67, 68 e 69, quando eu tive aulas de Artes Dramáticas com o Professor Luiz! Lembro-me de encenar o Auto da Compadecida de Gil Vicente.
Morro de saudade de tudo isso! Penso que o Teatro tem um poder transformador na vida das pessoas! Quanto à Música, sou apaixonada por Música Popular Brasileira de qualidade, sou fã número 1 de Chico Buarque de Hollanda. Adoro Milton Nascimento e Caetano Veloso! Sou apaixonada, ainda, pela Música Regional, que passa por Almir Sater, Renato Teixeira, Vidal França, João Bá, Dércio Marques (que se foi recentemente), Vital Faria, Geraldo Azevedo, Elomar Figueira, etc. Amo a música chilena, tenho três discos de Victor Jara que são os maiores tesouros que guardo comigo. Amo, ainda, a música cubana de Silvio Rodriguez e Pablo Milanés! Amo esses meninos todos que fazem arte na ZL, Edvaldo Santana, Cacá Lopes, Ronaldo Ferro, Sacha Arcanjo, Zulú de Arrebatá, Ceciro Cordeiro, enfim, todos esses que fazem parte desse rol de amigos...
Outra coisa que eu também sou apaixonada, são algumas cantoras maravilhosas, como: Maria Martha (ela cantava no Boca da Noite do Bixiga e, hoje, canta e encanta Paraty), Mirian Mirah que fazia parte do Grupo Tarancón e também Mônica Albuquerque, que são pessoas que não estão na mídia televisiva, mas que lotam teatros e encantam plateias inteiras. Enfim, eu gosto também do Cururú da minha região; conheci, desde criança todos os monstros sagrados do Cururu, como: Parafuso, Pedro Chiquito, Zico Moreira, Nhô Serra, Horácio Neto e Luizinho Rosa. Além das modas de viola, feitas pelos grandes compositores caipiras de verdade. As coisas regionais me encantam! Amo o folclore, as festas religiosas, principalmente, as festas do Divino Espírito Santo e do Reizado, que acontecem aqui na minha região.

10) Cida  Santos, faça uma pergunta que não fiz. E responda ela, por favor? Obrigado.
R: Uma mensagem
Quero dizer a você e a todos os que me leem, que tive uma trajetória até aqui, marcada por altos e baixos, como é normal na vida de todos os seres humanos que vivem com intensidade! Mas, não me arrependo, em absolutamente nada do que já fiz e venho fazendo! Se tivesse que repetir tudo, eu repetiria exatamente igual! Acredito muito, que a vida é um bem valioso que nos é dado de graça e temos que vivê-la com muita intensidade e com muito amor.
Acredito muito na grandeza do ser humano, no valor das amizades e acima de tudo, acredito nesse Poder Criador chamado DEUS, que move meus passos e me irradia essa luz, capaz de dissipar todos os dias cinzas que, às vezes, teimam em surgir.
Obrigada, meu querido Amigo Escobar Franelas!      


Um comentário:

Paulinho Dhi Andrade disse...

Entrevista bem conduzida.
Gostei. Parabéns ao entrevistador e à entrevistada.