quem nasceu primeiro?
a luz ou a cor?
o olhar.
tivesse nascido em divinópolis
seria talvez escobar dos prados
nascer em divinópolis
(o nome assim o diz)
é uma predição, bendição
mais que isso, essa rima: bênção
nascer em divinópolis é ser poesia
desde antes de pousar no útero
ser fecundado de um amor improvável
sempre amor sempre improvável
nascer dói viver dói amar dói
nasci em itaguases, fronteira com macondo
meio caminho para wakanda
vizinha a liliputh, éden, cidade de deus
| caça-palavras | tornozeleira | solda |
| marmitex | vômitos | soluços |
{a perna pelada}
[a taquara rachada calada]
(a primavera domiciliar)
a boca aberta, duchamp!
as palavras cruzadas, tzara!
p/ girlene verly
silêncio: meditação de poeta
silêncio: ronco de poemas
sendo produzidos
silêncio: antecâmara do big-bang
: o tudo preenchido de vazios
após o fim
os estados unidos da américa
tocados pelos nobres ideais
que movem a democracia
e os estados unidos do brasil
levados pelo mesmo sentimento
de seu irmão do norte
impediram o poeta de dizer não
a mão da liberdade pesa
pois o olho descoberto da justiça é cego
e já que é proibido proibir
impedir o permitir torna o todo igual
numa inédita rotina vária
os estados unidos de qualquer lugar
são uma mesma república
de ser o que não se é
e servir a quem não se vê
e seus poetas são etês professando fé
nessa deusa improvável
e demoníaca, a poesia
E se tudo for morte e a vida não existir? O que serão esses pequenos fulcros do cotidiano? O orgasmo à uma e dezessete da madrugada será o céu? O campeonato na última rodada, o flerte na fila, os livros do Cortázar, Hirondina e Zimborska?
Bastardos Inglórios? O filho nascido, o doutorado aprovados? Esses pequenos resumos são o quê?
O que será o céu, aonde estará o paraíso, como celebrar o prazer? Num poema de Drummond? Três versos de Bashô? Ou o abismo de Clarice? Está numa moldura no Louvre? Ou num divã em Viena? Na borboleta numa manhã de sol? O que é o Sol?
E o que será o inferno? A primeira broxada? Ou a última? A derrota por goleada? A Peste e outras pestes? A panela vazia ou a queimada? A cova mais funda ou a rasa?
E essa seda carbonizada, essa mente evaporada, o que é, o que serão?
Bar do Cantídio, oito e meia da manhã. Cena: um homem toma café e mastiga um pão de queijo em pé, junto ao balcão. Outro, mais jovem, está sentado em uma mesinha de lata, atento ao celular.
Entra um velhinho.
"Bom dia, Cantídio! Choveu essa noite, hein?"
"Bom dia, Garnizé! Ôxi, e como! Molhou até pensamento... vai querer um café?"
"Alagou tudo lá embaixo. Me dá um. Não não não! Melhor não, hômi. Comi um trem ontem que me deixou meio empachado até agora. Melhor uma latinha. Aliás, pensando bem, dá uma amargosa, pra rebater esse engrulho aqui."
"Fiquei sabendo. Branca? Ou amarela?"
"A água ainda nem baixou. A Branca perdeu tudo! Dá uma amarelinha."
fazia poesia
como quem faz solos de jazz::
sem regras sem réguas de rimas
dizem que fazia poesia
como quem se entrega
às declarações de uma flor
ao olho seco do sol
à vertigem do vento
à voragem das palavras
ao abismo das palavras
fazia-se poeta
como quem finge
ser outro ser
fazia poesia
hoje jaz
Era uma casa velha, com alpendre caindo, janelas esburacadas e teto comido por cupins e umidade. Ainda está lá, agora reformada, modificada, reerguida, com as linhas simétricas e retas da arquitetura contemporânea. O erro é meu, reconheço, perdido em afetos, nas lembranças dos anos pretéritos. Era uma casa velha e somente agora a vejo e bestializado, descubro que era apaixonado por aquela que não é mais. Não há mais. Sou apaixonado pelo que foi.
E da varanda envidraçada desse momento percebo uma piscadela sutil, irônica, sediciosa, me convidando a redescobri-la, sob a cortina estampada que dança suavemente à luz do sol de uma tarde que se esvai, e logo será outro passado, outra memória, uma esperança dirigida para trás. O vento flana e consigo distinguir seus silêncios de senhora impessoal, perceber suas entranhas monocromáticas de poucos móveis, as linhas fálicas de seu desenho frio, o desejo de ser nobre, quase
elegante; elegante, de uma frieza quase rude. Enquanto o amanhã não chega e tenho dificuldades em entabular este flerte, curto com pudor a velhice de ontem ameaçando o porvir.
O amor é extático.
Cheia de si, a lua se viu no mar, estranho espelho que estilhaçava e rejuntava seu rosto de luz.
Embriagada, mergulhou seu olhar dentro das águas salgadas.
Voltou sem se molhar.
dissolver você
essa pinta, essa boca, essas unhas
esse espelho - olhar de só ver você
da série haicaos