Quando aconteceu a copa de 82 na Espanha, fazia mais ou menos uns dois anos que meus pais tinham comprado o primeiro televisor. À época, eu tinha uns 13 anos e era virgem em entendimento de futebol. Não assistira à copa de 78, nunca fôra a um estádio, só jogava bola no campinho ao lado de casa(Guaianases, extremo periférico a leste, na cidade de São Paulo). Todo o meu conhecimento futebolístico se resumia às audições de Osmar Santos, Fiori Gigliotti e José Silvério, nas rádios Globo, Bandeirantes e Jovem Pan, respectivamente.
O clima que tomou conta das ruas na véspera do jogo de estréia do Brasil, contra a URSS - aquele país enorme ("e ainda por cima comunista!", como dizia a minha mãe)que hoje se resume em vários outros menores - era uma mistura agridoce de tensão e festa, apreensão e alegria, dúvidas e apostas. Nós, moleques, discutíamos e reescalávamos o time diversas vezes, como se a partida fosse de xadrez. Todos tínhamos idéias de movimentos táticos e escalações mais inteligentes, como se fôssemos o Mequinho do futebol tupiniquim. No dia do jogo, a turma ouriçou-se toda. Passamos a manhã toda discutindo a equipe, se o Telê deveria escalar um ponta-direita fixo ou não; quem era melhor a ponta-esquerda, se o Éder, o Zé Sérgio ou o Mário Sérgio; quem era mais goleador, o Serginho ou o Roberto Dinamite; se o Batista deveria jogar ou não.
Eu, solitário em minhas convicções, queria o Nunes e o Adílio. Ainda estava encantado com aquele Flamengo campeão do mundo em 81. Tiraria o Chulapa e o Falcão(!?). E o meu ponta esquerda seria o João Paulo, do Santos. Mas a rua silenciou, e todos foram para a casa do Vagão, a única do quarteirão que tinha televisão em cores. Tive que assistir o jogo sozinho. Minha mãe me proibira de sair. Estava de castigo, nem lembro a razão.
Os times entraram em campo e perfilaram-se para a execução dos hinos nacionais. Por momentos, fiquei na dúvida se deveria ficar em pé e imitava o Sócrates, solene e lírico com a mão no peito. Por vergonha do meu irmão menor que estava a meu lado, preferi ficar na minha, cantando baixinho.
Logo no início do jogo, senti os primeiros comichões de prazer, vendo a troca de passes quase cirúrgica entre Sócrates, Zico, Cerezo e Falcão. Ainda hoje trago comigo essas imagens, vivas na memória afetiva, tanto quanto a lembrança do primeiro beijo, a primeira transa, o primeiro emprego, o passar no vestibular e a aprovação no exame de habilitação.
Veio então o baque, a profusão do sentimento de perda, a laceração provocada pela dor: tomamos um gol, quando tínhamos pleno domínio da partida. O mundo ruiu e chorei quieto no meu canto. Duvidei. Odiei. Lancetei um asco de impropérios contra o Telê, o Valdir Peres, o Papa, Deus, o juiz, o Figueiredo. E, a partir daí, vi crescer a figura gélida do Dassaiev, um golias travestido de goleiro, que revelava-se uma muralha intransponível.
No intervalo fui para a rua. A patota reuniu-se em digressões, traçou planos, fez previsões. O Vagão, vermelho como um pimentão, também tinha chorado. O Marcelo reclamava porque o Nilton Batata não estava jogando. Os irmãos Paulo e Chico reclamavam, mas entramos em comunhão por um segundo tempo melhor. Tínhamos fé que nós iríamos nos encontrar no fim do jogo para comemorar. Juramos que iríamos ganhar.
A equipe do Brasil, no início do segundo tempo, continuava seu ziriguidum em torno da meta da URSS(sequer sabíamos onde ficavam "aqueles comunistas" branquelos nos mapas da aula de Geografia). A bola, no entanto, relutava em atingir o gol deles. Até que num toque simples(os mais belos momentos da vida sempre são simples; um beijo, um sorriso, um abraço, um afago), e o Falcão, com sua elegância romana, deixa a bola passar, enganando toda a defesa e dá a Éder a chance de dar dois únicos e "inequívocos" toques na bola, um para alçar, o outro para fuzilar aquela assombração russa.
Demorei para comemorar o gol. Estava em êxtase pela beleza sutil da jogada.
A partir daí não mais me permiti acreditar em derrota, sequer em empate. E minutos depois, o gol majestoso de Sócrates, depois de dois cortes laterais na zaga adversária, só confirmou aquilo que eu já previra.
Até o fim do jogo, fiquei à mercê de uma expectativa eufórica. Quando o juiz apitou o fim (ufa, enfim!), senti-me doentemente feliz, tanto que nem fui para a rua. Primeiro tive que ir ao banheiro. Meus amigos foram me chamar mas tiveram que esperar um pouco. Minha primeira comemoração foi - digamos assim - "disfuncional".
O clima que tomou conta das ruas na véspera do jogo de estréia do Brasil, contra a URSS - aquele país enorme ("e ainda por cima comunista!", como dizia a minha mãe)que hoje se resume em vários outros menores - era uma mistura agridoce de tensão e festa, apreensão e alegria, dúvidas e apostas. Nós, moleques, discutíamos e reescalávamos o time diversas vezes, como se a partida fosse de xadrez. Todos tínhamos idéias de movimentos táticos e escalações mais inteligentes, como se fôssemos o Mequinho do futebol tupiniquim. No dia do jogo, a turma ouriçou-se toda. Passamos a manhã toda discutindo a equipe, se o Telê deveria escalar um ponta-direita fixo ou não; quem era melhor a ponta-esquerda, se o Éder, o Zé Sérgio ou o Mário Sérgio; quem era mais goleador, o Serginho ou o Roberto Dinamite; se o Batista deveria jogar ou não.
Eu, solitário em minhas convicções, queria o Nunes e o Adílio. Ainda estava encantado com aquele Flamengo campeão do mundo em 81. Tiraria o Chulapa e o Falcão(!?). E o meu ponta esquerda seria o João Paulo, do Santos. Mas a rua silenciou, e todos foram para a casa do Vagão, a única do quarteirão que tinha televisão em cores. Tive que assistir o jogo sozinho. Minha mãe me proibira de sair. Estava de castigo, nem lembro a razão.
Os times entraram em campo e perfilaram-se para a execução dos hinos nacionais. Por momentos, fiquei na dúvida se deveria ficar em pé e imitava o Sócrates, solene e lírico com a mão no peito. Por vergonha do meu irmão menor que estava a meu lado, preferi ficar na minha, cantando baixinho.
Logo no início do jogo, senti os primeiros comichões de prazer, vendo a troca de passes quase cirúrgica entre Sócrates, Zico, Cerezo e Falcão. Ainda hoje trago comigo essas imagens, vivas na memória afetiva, tanto quanto a lembrança do primeiro beijo, a primeira transa, o primeiro emprego, o passar no vestibular e a aprovação no exame de habilitação.
Veio então o baque, a profusão do sentimento de perda, a laceração provocada pela dor: tomamos um gol, quando tínhamos pleno domínio da partida. O mundo ruiu e chorei quieto no meu canto. Duvidei. Odiei. Lancetei um asco de impropérios contra o Telê, o Valdir Peres, o Papa, Deus, o juiz, o Figueiredo. E, a partir daí, vi crescer a figura gélida do Dassaiev, um golias travestido de goleiro, que revelava-se uma muralha intransponível.
No intervalo fui para a rua. A patota reuniu-se em digressões, traçou planos, fez previsões. O Vagão, vermelho como um pimentão, também tinha chorado. O Marcelo reclamava porque o Nilton Batata não estava jogando. Os irmãos Paulo e Chico reclamavam, mas entramos em comunhão por um segundo tempo melhor. Tínhamos fé que nós iríamos nos encontrar no fim do jogo para comemorar. Juramos que iríamos ganhar.
A equipe do Brasil, no início do segundo tempo, continuava seu ziriguidum em torno da meta da URSS(sequer sabíamos onde ficavam "aqueles comunistas" branquelos nos mapas da aula de Geografia). A bola, no entanto, relutava em atingir o gol deles. Até que num toque simples(os mais belos momentos da vida sempre são simples; um beijo, um sorriso, um abraço, um afago), e o Falcão, com sua elegância romana, deixa a bola passar, enganando toda a defesa e dá a Éder a chance de dar dois únicos e "inequívocos" toques na bola, um para alçar, o outro para fuzilar aquela assombração russa.
Demorei para comemorar o gol. Estava em êxtase pela beleza sutil da jogada.
A partir daí não mais me permiti acreditar em derrota, sequer em empate. E minutos depois, o gol majestoso de Sócrates, depois de dois cortes laterais na zaga adversária, só confirmou aquilo que eu já previra.
Até o fim do jogo, fiquei à mercê de uma expectativa eufórica. Quando o juiz apitou o fim (ufa, enfim!), senti-me doentemente feliz, tanto que nem fui para a rua. Primeiro tive que ir ao banheiro. Meus amigos foram me chamar mas tiveram que esperar um pouco. Minha primeira comemoração foi - digamos assim - "disfuncional".
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