Como escrever poesia
Hoje cedo, no meio de uma feira, entre bananas e abacates, me peguei
pensando sobre como faço poesia. O vendedor de tapioca continua o mesmo, um
bigodão vetusto e encardido – deve ter fumado a vida inteira! – a sua iguaria,
uma delícia. E eu pensando como pratico meus versos.
Não lembro se foi antes ou depois de comprar o alho – talvez a cebola? –
que repentinamente uma dúvida foi lançada: o que escrevo primeiro, o poema ou o
título? Tenho certeza de que não tinha comprado o tomate, mas a questão que me
assistia naquele momento era essa, “quem, em mim, nasce primeiro?”
Sei a resposta: enquanto pegava as mexericas, provava uma jabuticaba e
pedia um pastel (de carne, hein!) e um caldo de cana (com abacaxi, limão e duas
pedras de gelo!), lembrei que quase sempre o título vem primeiro. Não sei dizer
porquê, mas quase sempre é assim, em uma idéia de determina o que vai ser
escrito depois. Só depois de pesar as goiabas é que pensei que após o nome é
que meus escritos ganham roupas, contornos e formas. E o principal: sua alma.
Não é compulsão nem mania nem nada, apenas uma prática que sei fazer. O
título me assalta a idéia e fica caraminholando, até que seus filhos nasçam.
Tudo bem que às vezes acontece o contrário, tudo bem que às vezes o nome é até bonito,
mas estéril, não gera nada, só sirva de base para desenvolver uma idéia e
depois seja trocado na hora de seu batismo. Tudo bem que às vezes vem uma
montanha de versos abaixo, mas nada surge no horizonte que sirva para “vestir”
essa população de signos e sentidos e dê a eles uma identidade.
Pois creio que título é isso: síntese. Tanto que às vezes acontece do
nome chamar essa enxurrada de palavras que depois será poesia e terá outro
nome, pois alguma coisa aconteceu, uma guinada foi dada no meio do caminho, e o
título – que tinha sido a causa de toda essa “grita” – repentinamente não se
aplica ao que foi deveras escrito. O primeiro terá sido apenas “boi de
piranha”, pra chamar os versos que estavam represados em algum lugar, à espera
do chamado à vida. Queria lembrar agora quem foi que disse que a escultura sempre
esteve lá, dentro do bloco de pedra. O artista é “apenas” aquele que vai “tirar
a gordura” dessa pedra, seus excessos, para que a figura, a imagem, o signo, o
sentido, surja para a contemplação de todos. Acredito que a poesia que escrevo
tem esse sentido. Escrevo tirando os excessos que permeiam pensamentos,
reflexões e sensações. A poesia surge em mim justamente para desbastar, limar,
lapidar, limpar e sublimar o que penso, ou, pelo menos, julgo pensar.
Foi assim que terminei minhas compras, paguei o “flanelinha” que tomava
conta do carro e voltei para casa. Pois a feira foi meu poema. Sair de casa foi
um título primário, saciar minha fome de frutas e legumes tornou-se o título
final.
Nenhum comentário:
Postar um comentário