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10.12.12

Sarau Agora ou Nunca - Erivaldo dos Santos na Casa Amarela

Eu, justo eu, que adoro uma roda de conversa, principalmente sobre literatura e cinema (minhas paixões), tive que bancar o advogado do diabo ontem.  A Casa Amarela - Espaço Cultural hospedou neste domingo, dia 9, o professor Erivaldo dos Santos. Meu parceiro desde a adolescência, quando discutíamos Sartre, Nietzsche, Freud e Jung pelas ruas do Jardim São Pedro, Eri - como é conhecido entre os íntimos - marcou presença no mix de sarau e roda de leitura "Agora ou Nunca". O evento foi criado e pensado justamente para recebê-lo, já que está de partida para Portugal, onde vai ministrar palestras na Universidade de Lisboa e, possivelmente, também em Hamburgo, Alemanha. O inusitado da festa foi que ela ficou claramente dividida em duas partes e acabou durando mais de cinco horas (isso mesmo, 5 horas!). Aí, aí justamente aí, tive que descer a cortina e encerrar o oba-oba, que ameaçava enveredar noite afora, madrugada a dentro. Passava das nove da noite.
Para embaralhar ainda mais a coisa, o livro dele, "Citação e Alusão nas Cônicas Machadianas - Estratégias de ler e escrever pelo avesso" - na verdade, sua tese de mestrado pela PUC-SP - foi lançado no sábado. Logo, por conveniência, o domingo foi uma continuação do fim de semana produtivo do também poeta, dramaturgo, ator, artista visual, músico, cantor, blueseiro, enólogo, alagoano, palestrino e outros quetais.

O pessoal foi chegando, alunos seus, frequentadores da Casa Amarela, outros convidados, todos bebericando o ótimo vinho que o próprio nos trouxe. No primeiro momento, ele discorreu sobre o objeto de sua análise, Machado de Assis e o uso estratégico do Sermão da Montanha bíblico como elemento constitutivo em suas crônicas. Interagindo principalmente com Tiago Araújo (ambos, puquianos, apresentaram diversos pontos de convergência e alguns poucos, e pequenos, "estranhamentos" interpretativos), a conversa acabou descambando também para outros assuntos que fazem parte do métier do artista: educação, produção literária, cinema e literatura, histórias de vida. E assim, todos ali, eu, Akira, Silvio, Iolanda e Zé Carlos, Vinicius e a musa, Zulu (cantando "a capella") e a musa, mais Mah Luporini e uma porção de convidados fomos brilhantemente inseridos no mundo machadiano, pela linha teórica de Erivaldo dos Santos.
O não imaginado, o não previsto, porém, era que após o término do encontro, as pessoas todas ali (poucos tinham ido embora, outros tinham chegado), todos jogando conversa fora, regada a vinho, amendoim, café, água e suco, a roda aos poucos foi ganhando forma novamente. Em poucos minutos, tudo tinha virado um profundo debate sobre a produção artística local, políticas públicas, meios de difusão e distribuição, entre muitos assuntos colocados na ordem do dia.
A conversa acalorada surgiu naturalmente e seguiu um curso sinuoso, com muitos apontamentos críticos que surgiram no esteio das discussões. Lembranças foram contadas, histórias relatadas, dúvidas suscitadas, encaminhamentos direcionados. Manogon, Tião Baía e Selma, recém-chegados, também ajudando a dinamitar e fundar novas perspectivas para o fazer artístico e cultural na região e outras periferias. Com tanta motivação, minha grande dificuldade foi conter os ânimos e arrumar um jeito de finalizar o encontro, o que fiz, sem talento algum, confesso.
Pra variar, chegando em casa, me dei conta da mancada genial que dei com o poeta Manogon, que tinha subido da praia direto para o sarau e trouxera um belo texto, meio-termo entre conto e poesia (seria prosa poética? seria poesia em prosa?). Como ele chegou no fim da palestra inicial, guardei comigo e fiquei de dar algum encaminhamento, não tinha mais clima pra leitura, ponderei erroneamente. 
Quando, meia hora depois, rolou o improvável segundo tempo de conversa, esqueci o belo texto dele dentro de minha agenda. Manogon, cordato e diplomático, não me cobrou o que eu displicentemente guardara e sua história hilária e poética não pode ali ser compartilhada.
Para tentar reparar o erro crasso que cometi, divulgo o mesmo aqui abaixo:
 


"Ubaldo, Badinho, Badí"

- Ei, você, viu Badí?
- Olá, onde ele está?
- Ui, ai, aonde Badí vai?
- Menina, corre aqui, vá chamar o meu Badí. Diga-lhe que estou aqui, aflita, com a gota atacada, andando torta, desajustada.
- Seu Zé, me faz um favor? Apelo ao Santo Nosso Senhor, que o senhor vá na carreira buscar Badí. Vê lá na goiabeira, fala pra ele não dá bobeira. É que eu já ando na tremedeirade meu Badí fazer besteira.
- Homem, por onde Badí se enfiou?  Pegou outro rumo? Evaporou? Eu estou aqui nesse batente, a perna dói, me bate os dentes, sinto afluição, fico dormente.
-Ah, dona Maria, me pega aquela bacia que eu vou jogar sal grosso, rezar Ave Maria, pedir pra todos os anjos que façam lá seus arranjos, mas me tragam meu Badí, nem que seja aos solavancos.
- Corre Nina, voa Nino, depressa Jair, chama logo meu Badí, que eu não aguento mais saudades do meu rapaz.
- Badí... Badí...Badí...
Mas Badí não ouviu. Ninguém sabe ninguém viu. Só um corpo boiando no rio. Sem lenço nem documento, sem nome nem sobrenome. Nem ao mesno um ser humano, um fulano, beltrano ou ciclano, que fosse bolar um plano de tirá-lo dali, de levar o pobre Badí.
Badí que nasceu Ubaldo, mesmo nome de seu pai, que ganhou o mundo e não voltou mais. Virou Badinho, por causa da mãe do padrinho, que lhe enchiam de carinho. Devido à priminha Gabi, virou de vez o Badí, que vivia aqui e ali.
Badí da mãe querida, por causa de uma ferida, de doença envelhecida, viva vida sofrida. Só tinha mesmo a Badí, a quem recomendava estudar para sair dali. Mas Badí com isso não dava. Fugia, corria pulava, jogava bola e fumava, e até birita tomava.
Porém, mesmo assim, erra bom esse Badí. E a tragédia que conto aqui foi porque ele, junto dos amigos peladeiros, pulou o quintal do Teobaldo, velho sisudo e malvado, só para pegar caqui. Teobaldo nem pensou, chamou os cabras e mandou que daquilo eles cuidassem. Foi o que se passou. Foi na covardia, no meio da gritaria, enquanto Badí corria, que a bala no ouvido zumbia. Com um tiro no meio das costas, tombando no meio da bosta, Badí morto caía.
- Badí... ah, Badí... onde está o meu Badí?
Mas Badí não ouviu.
Seu corpo bóia no rio.
 Manogon - Manoel Gonçalves

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