Em Águas Profundas é um livro irregular de um cineasta irregular. David Lynch, que também é pintor, tem uma filmografia coerente com seu discurso anárquico e surreal (vide os excelentes Veludo Azul e Eraserhead, os incógnitos Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos; e o fraco Coração Selvagem, entre outros). Ele sempre lembrou em entrevistas e depoimentos que pratica a meditação transcendental. - Ótimo! E resolveu agora escrever um livro que trata do assunto. - Maravilha!
Mas em se tratando dele, David Lynch, o assunto nem sempre é "o assunto", a história pode ser contada por outras vias; para chegar a um fim vale-se de vários meios. E essas interrogações o livro traz sem méritos. Se no cinema a história não se resolve, pelo menos temos uma analogia com a verossimilhança, o efeito narrativo e a lógica da vida, já que a mesma é assim, um tabuleiro de xadrez com infinitas possibilidades de darmos (ou tomarmos) xeque-mate.
Mas para um livro que se propõe a vender um peixe (grande, por sinal), Em Águas Profundas acaba por criar uma expectativa que nunca se completa. Mais grave, não ficamos sabendo o que é meditação transcendental. A obra não explica o que é isso, não conta sua história no Ocidente(deduzindo que práticas de meditação são provenientes sempre do Oriente), não ensina iniciação, não dá endereços, sequer faz "fofoquinha" do tipo "fulano pratica" ou "beltrano já experimentou".
Isso não é de todo um mal em se tratando de David Lynch. De certa forma é até previsível. Quem acompanha sua filmografia sabe que ele tem um estilo único em criar climas e depois deixá-los à revelia. Mas o cinema dele se apóia em ótima arquitetura musical (aliás, nesse Em Águas Profundas, o cineasta fala muito de seu parceiro musical, o maestro Ângelo Badalamenti), excelente fotografia, recursos de luz usados com inteligência perspicaz, tipos humanos e sociedade inteira criados com crivo de verdade absoluta. A sua cultuada série televisiva Twin Peaks, exibida na Rede Globo na década de 1990 e agora disponível em DVD é prova inconteste disso.
Mas em se tratando dele, David Lynch, o assunto nem sempre é "o assunto", a história pode ser contada por outras vias; para chegar a um fim vale-se de vários meios. E essas interrogações o livro traz sem méritos. Se no cinema a história não se resolve, pelo menos temos uma analogia com a verossimilhança, o efeito narrativo e a lógica da vida, já que a mesma é assim, um tabuleiro de xadrez com infinitas possibilidades de darmos (ou tomarmos) xeque-mate.
Mas para um livro que se propõe a vender um peixe (grande, por sinal), Em Águas Profundas acaba por criar uma expectativa que nunca se completa. Mais grave, não ficamos sabendo o que é meditação transcendental. A obra não explica o que é isso, não conta sua história no Ocidente(deduzindo que práticas de meditação são provenientes sempre do Oriente), não ensina iniciação, não dá endereços, sequer faz "fofoquinha" do tipo "fulano pratica" ou "beltrano já experimentou".
Isso não é de todo um mal em se tratando de David Lynch. De certa forma é até previsível. Quem acompanha sua filmografia sabe que ele tem um estilo único em criar climas e depois deixá-los à revelia. Mas o cinema dele se apóia em ótima arquitetura musical (aliás, nesse Em Águas Profundas, o cineasta fala muito de seu parceiro musical, o maestro Ângelo Badalamenti), excelente fotografia, recursos de luz usados com inteligência perspicaz, tipos humanos e sociedade inteira criados com crivo de verdade absoluta. A sua cultuada série televisiva Twin Peaks, exibida na Rede Globo na década de 1990 e agora disponível em DVD é prova inconteste disso.
A obra incógnita de Lynch |
O livro, contudo, não chega a esta forma de resolução. Anêmico, se reduz a clichês como "somos como lâmpadas. Quando o conhecimento começa a crescer dentro de nós, isso é como uma luz; essa luz afeta o meio ambiente"; auto-ajuda - esta sim - transcendental: "adoro esse ditado: ´o mundo é como você é´. Acho que os filmes são como você é"; cinismo galhofeiro em "algumas vezes as pessoas dizem que não conseguiram entender um filme, mas na verdade entendem muito mais do que percebem..."
Ainda assim intuo que este livro foi um projeto ambicioso para angariar fundos para sua causa social, a www.davidlynchfoundation.org. Como militante pacífico que sei que ele é, necessita às vezes vender peixes pequenos como se fossem grandes tubarões, ganhando no blefe um jogo que eu, por exemplo, sistemático e linear, daria por perdido. Mas ele não, ele é artista.
Aliás, o que é mesmo meditação transcendental? O negócio é apelar: "São Google que estás na net..."
Ainda assim intuo que este livro foi um projeto ambicioso para angariar fundos para sua causa social, a www.davidlynchfoundation.org. Como militante pacífico que sei que ele é, necessita às vezes vender peixes pequenos como se fossem grandes tubarões, ganhando no blefe um jogo que eu, por exemplo, sistemático e linear, daria por perdido. Mas ele não, ele é artista.
Aliás, o que é mesmo meditação transcendental? O negócio é apelar: "São Google que estás na net..."
Lynch nas alturas (Foto Ricardo Moraes/Associated Press) |
* Ed. Gryphus, 2006, 1ª. Ed. Brasil 2008, 194 p., "Catching The Big Fish", Trad. Márcia Frasão, ISBN 978-85-60610-12-9
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