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21.4.13

Entrevista: Ivan Néris, multiartista brasileiro

Ivan no Sarau da Casa Amarela, São Miguel, SP, 2011 (foto Akira Yamasaki)
Instigante, catártico, visceral, profundo, clássico, polêmico, inteligente, ator, diretor, literato, bissexual. Apresento-lhes Ivan Néris, artista brasileiro nato.

1) Quem é Ivan Néris?
Resposta: Bem Escobar, devo dizer que durante uma boa parte da vida eu busquei uma resposta para essa pergunta. No começo da pré-adolescência acreditava que Ivan Neris era um jovem bissexual descobrindo sua sexualidade. Depois pensei que era um jovem iniciado nos valores metafísicos do espiritualismo, posteriormente vim a ter a certeza de que Ivan Neris era um artista autodidata singrando a rota da arte que sonha transmutar seu entorno, porem somente quando a maturidade chegou eu percebi que a cada nova tese, que a cada novo caminho o que sou hoje ia sendo construído por mim mesmo, a partir das experiências que ia vivenciando. Hoje intuo que Ivan Neris é a soma de muitas pessoas, de muitas crenças, de inúmeros sonhos e frustrações. Quem é Ivan Neris? É você, Escobar Franelas, ele é Claudemir Santos, ele é Sacha Arcanjo, ele é sua mãe dona Zélia, tanto quanto é o pai Gilberto de Ogum ou é seu avô seu Odilon. Ivan é um pedaço do universo, um átomo do planeta terra.
2) A sua substância é notadamente consequência de muitas "escolas" e escolhas. O que você gosta? 
Resposta: Gosto de poesia barroca, de filosofia clássica, principalmente a escola socrática, adoro literatura russa, principalmente Dostoievski e Tolstoi. Sou fascinado pelos românticos do Brasil principalmente Álvares e Castro Alves e estrangeiros Victor Hugo e Rimbaud. Também gosto de filosofia moderna, indo de Sartre a Foucault. Sou apaixonado pelas obras de Pessoa, Neruda, T.S. Eliot, Virginia Wolf, Borges, Camus, Mann, Hesse, Saramago. Estou enlouquecido pelos textos de Bauman. Acredito que minha poesia está recheada por muito do cinema de Woody Allen, Fellini, Lynch, Kurosawa, da música de Dylan, Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Cartola, Beethoven, pelo teatro de Artaud, Genet, pela poesia de Maiakovski, entre outros tantos criadores destes e de outros gêneros artísticos.

3) Percebo em você um amalgamar da arte com a vida. Afinal, o que é arte para você?
Resposta: Arte para mim, em primeiro lugar enquanto potência, é a luz no fim do túnel, que separa nossa espécie do pior que ela pode vir a ser, do pior que fora e do pior que é. Em segundo lugar e aqui falando dela em minha vida, creio que sei somente vivenciá-la como parte do que me define como existindo, como parte da matéria de que sou feito. Minha arte por vezes é o reflexo inverso do que comigo se passa, às vezes é sua cópia. Nunca houve o Ivan Neris e sua arte. Amalgamente eu sou minha arte e minha arte sou eu, pois tanto quanto eu a crio e recrio, ela me cria e recria, dentro desse contínuo processo de construção da minha psique, no qual me vejo desde que fui capaz de perceber que pensava. Desta forma voltando à primeira parte de minha resposta, enquanto objeto humano, busco construir o melhor ser que posso para “sê-lo” e “estar” vivo como como objeto de minha arte.

4) Fale-me do Alucinógeno Dramático, grupo de teatro do qual fez parte. Foi sua primeira incursão artística profissional?
Resposta: Bem, se nós estabelecermos que profissional significa receber algum dinheiro para executar uma ação artística, posso dizer que foi sim com certeza, apesar de ter iniciado meu caminho como artista na letras muitos anos antes. Foi em 1996 com o Alucinógeno Dramático que iniciei meu caminho como ator de teatro e foi lá que pela primeira vez tomei o fazer artístico como fonte de renda. Foram 10 anos de uma experiência mágica, onde eu e Claudemir Santos desenvolvemos nosso próprio método de construção de personagens e criação de espetáculos, espetáculos estes que levamos às escolas, espaços culturais, associações de bairros e teatros na capital e no interior de São Paulo. Conhecemos muitas pessoas, muitos atores passaram pelo grupo, desenvolvemos muitos projetos e oficinas. Foi também no AD que fiz minha primeira incursão como diretor de teatro, primeiro co-dirigindo e posteriormente na direção solo de peças. Posso afirmar com plena lucidez que durante este período fizemos algumas montagens que estavam à frente do seu tempo, nos quesitos técnicos e também quanto à proposta cênica.
Tenho orgulho de saber que fiz parte da história que não é contada na academia do teatro paulista e brasileiro, mas por fim senti a necessidade de tentar construir um caminho particular em meu fazer teatral, com a intenção criar de acordo com todo universo que imagino para o teatro, sem ter que entrar em conflito com meu grande amigo Claudemir. Infelizmente, esse caminho não foi em frente, pois o teatro é refém de um sistema, o sistema de funcionamento das relações em sociedade e do mercado cultural e dentro desses âmbitos, para realizar o teatro que sonhei com pessoas que me acompanhassem nele, eu precisaria já ter um diploma de doutorado em cênicas, ou ter uma história de fama e sucesso no teatro nacional ou já ter morrido a uns 100 anos.
Como nada disso aconteceu em minha vida, ninguém nunca me levou a sério em minhas propostas para montar núcleos ou grupos de teatro.
Minha última incursão foi tentar o caminho acadêmico. Descobri duas coisas importantes na Faculdade Célia Helena, que ninguém além de mim está realmente interessado neste teatro diferente que sonhava criar como ferramenta de auxílio na construção de uma sociedade também nova e que nada na minha história dentro do teatro interessa ou sequer é considerada digna de respeito dentro do universo acadêmico, daí era aceitar o que ai está e me enquadrar ou pular fora, que foi o que fiz, pulei fora da faculdade e do teatro.
O que ficou de mais marcante nos anos de Alucinógeno Dramático para mim, foi saber que através de nossas montagens nós efetivamente modificamos vidas de outros seres humanos, soube disso por intermédio de alguns desses seres humanos que me encontraram na rede cibernética para contar-me a história dessas transformações em suas vidas e isto são fatos que por mais que a academia os ignore, não podem ser apagados.

5) Com essa mudança de curso, você aproximou-se mais das letras novamente, certo? Fale sobre isso.
Resposta: Eu não diria que me aproximei novamente, pois acho que nunca me afastei, sempre rolou uma poesia inspirada em uma cena de um ensaio, ou um espetáculo visto. Sempre aconteceu de uma circunstância do teatro me inspirar um conto e fora que houve a composição como letrista que nunca parou durante todo esse tempo, nas parcerias com Tarcisio Hayashi, Vinicius Viana, Heraldo Góes, Ronald Melo, acredito que o que há é mais tempo disponível para as letras, não só o tempo físico, mas principalmente o tempo abstrato que existe dentro.

6) O que você está fazendo, neste momento?
Resposta: Neste momento eu estou à deriva, buscando respostas sobre a minha pergunta íntima: Como me encaixo sendo um artista em uma sociedade cujo dimensionamento cultural eu não reconheço? E mais ainda que não me reconhece dentro dela como artista antes que qualquer coisa.
Enquanto aguardo uma resposta, vou escrevendo meu blog sobre minha vida nesta cidade do Recife, vou publicando pensamentos em redes sociais e continuo escrevendo meu blog de poesias. Também estou tentando dar continuidade a um romance de ficção, tenho algumas idéias para textos de teatro e tenciono iniciar um outro romance que narra a história de dois homens, um francês e um brasileiro que se conhecem em uma cidade do nordeste e se apaixonam, mas devo salientar que o tema não é inspirado em fatos reais vividos por esse autor, infelizmente.

7) Sendo um "estrangeiro" em Recife, por conta de sua recente mudança, o que você nota de diferente em relação à Pauliceia que deixou para trás?
Resposta: Escobar, meu caro, é como um estrangeiro mesmo que me sinto ás vezes, trata-se de uma outra cultura, outra forma de ver o mundo, apesar da proximidade que a língua nos traz, muitas vezes a maneira de pensar do pernambucano me é estranha, como é estranha minha forma de pensar para eles.
Recife é uma cidade que anseia ser cosmopolita, com uma visão de mundo provinciana muitas vezes. Por exemplo, todas as pessoas daqui acham a coisa mais absurda eu ter ido morar distante do trabalho, para eles a escolha de um bairro para morar depende somente da distância do seu trabalho e não dos pontos positivos e negativos que o bairro ofereça. Deslocar-se para o outro lado da cidade é uma “bobagem de paulista que quer morar perto da praia” à praia se vai aos domingos!
Por outro lado esse lado provinciano revitaliza os laços culturais com sua história, seu artesanato, sua música, sua dança, as pessoas valorizam muito a formação acadêmica e uma base cultural, principalmente os mais velhos. Os mais jovens já estão imbuídos pela crença capitalista de que com uma boa ideia qualquer um pode acumular capital e isso é o que importa na vida em sua visão.
O povo de maneira geral é alegre e gosta de se relacionar com estranhos, nisso são diferentes de nós paulistas. Mas tem uma ânsia de levar vantagem em tudo e sobre todos, principalmente os jovens. Pessoas de fora sempre representam oportunidades financeiras, pois eles confiam demasiadamente em uma esperteza nordestina, talvez remanescência de um passado de seca, fome e sobrevivência, que já não é a realidade presente dentro da metrópole, mas por conta da péssima divisão de renda que é aparente, criando um enorme abismo entre que tem um pouco e quem tem o mínimo ou nada.

8) E este distanciamento do berço natal instiga a escrever mais, a criar mais?
Resposta: Cara... eu percebi que não estou escrevendo nem mais nem menos, o processo de criação em mim segue na mesma velocidade. Eu ainda não consegui alcançar o ponto de equilíbrio existencial que busco, consigo por enquanto somente flashs dele, consegui em algumas ocasiões me sentar na minha varanda e escrever sentindo o vento que chega pelo mar, mas também não tenho pressa, cheguei agora nesta cidade e tenho estado absorto nas resoluções da vida prática. Creio que logo que me sentir minimamente organizado, poderei estar liberto para me voltar aos meus projetos literários, como me programei para fazê-los! Como sempre, nesses momentos irregulares a poesia acaba sendo a vertente mais forte da minha criação, pois para a criação prosaica eu preciso sentir-me em paz com o tempo e isso aqui nesta cidade diferente do berço natal, é algo que creio, será possível! Pois a cidade é menor, menos populosa e meus compromissos são mais simples no meu tempo livre, o que me falta realmente é estar aqui tempo suficiente para introjectar esta nova condição de vida como permanente por enquanto, dai as palavras se sentirão seguras para sair

9) E, para finalizar, o que você está planificando para o futuro imediato (ou nem tanto)?
Resposta: Escobar, eu sou um migrante ao reverso que partiu a procura de um novo cotidiano, por isso me encontro de certa forma ao Deus dará como se diz por ai, sem grandes perspectivas e esperando as coisas acontecerem e o universo se acomodar, logo após um rebuliço. Espero editar o primeiro livro em breve, que serão contos e textos para teatro, também espero terminar os romances iniciados, bem como começar aquele sobre dois amantes de países diferentes, ainda não me situei verdadeiramente nesta cidade e tão logo o faça, quero me comunicar com as pessoas que aqui geram sua arte, é isso!
Ivan por ele mesmo


Elementos

Sim fatal, o imundo grunhido dito a lua,
A taça tosca, mosca e rua,
Percevejo curto e intacto da clara insígnia.
Por verões, policiais e escavadeiras,
Minha murcha dedicatória de um estado,
Limítrofe entre por e sol.
Sede rápido Oh! Gole imemorial,
Entre aqui e somos,
Entre fiz e queria,
Como um começo de orgasmo,
Ou um inseto indigesto na poeira,
Pela cura, Ah Deus dos mortos!
Vinde a mim, com o fálo dos universos,
Dê-me o dom da introjecção.

30/04/2012



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