O Legado de Raberuan
A imagem mais marcante que guardo do Raberuan foi a de um show que ele fez na Oficina Cultural Luiz Gonzaga, em São Miguel, lá pelos idos de 1999. O Sacha Arcanjo, coordenador do espaço, sempre convidava algumas escolas da região para assistir às apresentações do projeto Canto do Compositor (do qual Raberuan era o convidado naquela noite), e cujo propósito era, “formação de público para os artistas da região”, que eram chamados a participar.
E naquela noite, Raberuan teve a sorte de encontrar uma platéia de adolescentes inquietos. Esses, lá pela metade do show começaram a interferir ruidosamente no evento, rindo alto, contando piadinhas grosseiras, fazendo scratches com a boca, imitando os rappers da moda. Raberuan, com sua malícia tranquila, convidou então aquele que parecia ser o líder deles para também apresentar-se no pequeno palco. Pronto: estava armada a arena, pois o garoto até que tentou, mas foi vencido pelo convite preciso e o sorriso maroto do mestre de cerimônia. O rapaz foi, tentou brincar com a situação inusitada, encenou um pouco para os amigos e, por fim, voltou nocauteado para seu canto. A partir daí, não mais atrapalhou o show, assim como seus parceiros. Raberuan tinha o domínio do palco. Sempre teve.
Mas, afinal quem é esse Raberuan, que, contrariando a lógica comum, desafiou elegantemente – com o violão sempre em punho – a turba juvenil para uma conversa musical que, ao final, não se concretizou?
Falecido no último dia 18 de novembro, com 58 anos recém completados, o passarinho de cabelos desgrenhados foi embora mas deixou um legado enorme na vida artística e cultural de São Miguel e região. Ainda que sua carreira tenha ganhado contornos mais precisos a partir do advento do Movimento Popular de Arte (1978), Raberuan já estava na estrada desde o começo daquela década, junto com Sacha, formando a dupla Tomé e Simão.
Dono de uma voz intuitiva e cristalina e de personalidade carismática, personificava um crooner autêntico e visceral. O violão era outro quase componente de sua indumentária diária. Participou da coletânea que eternizou aquele momento emblemático do Movimento Popular de Arte (MPA), no long play homônimo de 1985, com a música Pela Estrada de Ferro, de sua autoria (e que seria depois regravada no seu ótimo cd Tião (2004), além de dividir o microfone com Sacha Arcanjo também na encantatória Cavaleiro Peri, composição dos dois.
Atualmente dividia a produção do projeto Memória Musical com Akira Yamasaki. A doença no fígado venceu a luta da carne, mas não impediu a vitória de sua arte. Sua última gravação, feita já com dificuldades mas com extrema delicadeza, foi No Quintal do Sacha, dele mesmo, em que saúda os velhos companheiros de arte e cachaça com quem conviveu todos esses anos1970, 80, 90, 2000...
Raberuan em São Roque, SP, agosto de 2010
texto e fotos Escobar Franelas
Um comentário:
Caro Escobar,
ler um artigo desses, maravilhoso, já faz valer toda a tristeza pela passagem de meu irmão. Muito obrigado por ajudar em manter viva sua memória e sua arte. Um forte abraço, José Marcos da Silva (irmão caçula de Raberuan).
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