MEU MILHÃO DE AMIGOS
COSTA SENNA
Apresentação
A primeira vez que “vi” Costa Senna foi consultando ao acaso um
pequeno tesouro bibliográfico – O Trem
das Sete, vários autores, Col. Vox
Populi, Nova Sampa editora, 1994 – publicado em papel-jornal com (anti?)ensaios
e depoimentos em memória e a respeito dos cinco anos da morte de Raul Seixas.
Lá, Senna dava depoimentos e tecia
comentários sobre a catarse que regia o estado mental do criador de Maluco Beleza.
O sortilégio veio em
seguida, quando vi Ria Até Cair de Costas,
no qual ele dividia o palco com o genial músico Cacá Lopes, oportunidade em que
o conheci. Menestrel noir ou entertainer mambembe, Senna corria o mundo fundindo literatura popular com a gestualidade
dionisíaca, usando uma técnica inusitada e um carisma vibrante, com uso
inovador de toda a universalidade possível ao gesto e à voz, responsáveis pela
perfeita simbiose com seu público.
...
O autor-ator interage
através da disposição musical de seus versos, estruturando elementos, fazendo
uso do próprio corpo e, às vezes, até mesmo de um instrumento físico (quase
sempre um violão), para nos fazer chegar à música. Cria, assim, dimensões
fonéticas e estéticas que licenciam uma compreensão mais profunda de seu
universo de tantas inquietações sociais e a ludicidade que nos obrigamos a
buscar a cada momento, usando o sonhar como parâmetro. Todos hão de convir
comigo e com o Poeta: sonhar é bom e necessário. Aliás, por que não dizer que,
em certos aspectos, deveria ser obrigatório?
Neste Meu
Milhão de Amigos, o autor se desprende de toda amarra verbal, renova as
possibilidades tonais da métrica cordelista, com rimas ora simples (sem os
pedantismos de uma falsa erudição), ora complexas, provocando uma fissura no
legado da tradição, mas sempre indicando caminhos. Tudo dentro de uma
musicalidade repleta de variações harmônicas e dissonâncias rítmicas:
Poeta Celso de Alencar
Não torne a vida vazia
Esqueça o futebol
Continue na poesia
Faça feijão com arroz
Isto é, trabalhe os dois
Numa só harmonia.
Mas não pensem os
incautos de plantão que seus versos são compostos in albis. O autor de encontros como
(...) O mundo é do c( C )riador
A mente
que não criou
Viveu e
Morreu vazia. (...)
não poderia jamais estar
amiúde no meio do caminho. E o estudo (canto) do p(P)oeta vai mais longe. Em
(...) Toco,
grito, canto, corro
Não morro mesmo
morrendo
Não fujo do
compromisso
E creio que vai ser isso:
Eu morro e sigo
vivendo. (...)
há uma decodificação mais
vasta e abrangente, em que o diamante em estado bruto não chega a ser lapidado;
antes abandona-se à dura realidade cotidiana, oferecendo-se como cadáver para
ser dissecado em incursões metalingüísticas. O poema não é decupado até o
extremo de si, para que dele, nós – receptadores em imanência parabólica de seu
mundo – extraiamos toda a essência. A partir de então o devaneio permite
manifestações tanto mais caudalosas quanto mais sutis, todas inerentes ao
humano ser.
Costa Senna nasceu sob o sol tropical do Ceará. Foi soprado em
diferentes direções, navegando por água, terra e ar. Conheceu pessoas, as mesmas
que hoje ele exalta nesse nosso Meu Milhão de Amigos. Seu destino
era alvo de Sagitário e foi assim que chegou às praias de cimento e vidro de
São Paulo em 1990. Conheceu os tipos mais distintos, vislumbrou o mundo das chamadas
minorias, desvendou os vãos da grande metrópole. Dessa miscigenação atenta ao
humano nasceu este livro, uma celebração atenta àqueles que habitam seu mundo.
No ápice de seu processo
criativo, Senna não para. Neste
momento já está preparando O Lobisomem da
Avenida São João, sua primeira investida no universo ficcional.
Seu olhar, cantar, dedilhar, seu sonhar; tudo novo. De novo!
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