Um livro
saboroso “Território e Sociedade – Entrevista com Milton Santos”, fruto de um
diálogo de 10 horas com a professora e geógrafa Odette Seabra, a professora e
socióloga Mônica de Carvalho e o historiador José Corrêa Leite;
sintetiza o pensamento múltiplo do professor e geógrafo Milton Santos, ícone
intelectual e ético que o Brasil legou ao mundo na segunda metade do século 20.
A longa
interlocução, que ocupa as mais de 120 páginas do livro, abrange muitas (senão
todas) áreas em que a fecunda curiosidade e pesquisa arguta de Milton Santos
trouxeram para a luz. Antes, porém, recupera a biografia do entrevistado, onde
ele refaz todo o percurso que traçou desde a infância, passando pela sua
formação intelectual, aulas, estudos, viagens, exercício político, até o
reconhecimento público por sua rica contribuição ao desenvolvimento dos estudos
da Geografia, no Brasil e no mundo.
A primeira parte,
“Território da Geografia”, é uma viagem crítica de questionamentos e respostas
à geografia contemporânea, sua caminhada histórico-política e o legado dela
para as outras áreas naturais. Nessa dialética, profeticamente ele preconizava
no ano 2000 que “há uma crise interna nos Estados Unidos, porque houve o
empobrecimento da sociedade” (p. 15). Nove anos depois, sabemos que essa
desordem econômica sistêmica evoluiu para uma esquizofrenia frenética que
resultou no violento desconcerto monetário de 2008. Sábia previsão.
Durante a
conversa, Milton se detém durante muito tempo discorrendo sobre o tema
“globalização”, um tema relevante mas mal apresentado pelas elites pensantes
para ser mal interpretado por toda a sociedade. Assim, ele explica que “a
retirada do Estado do processo de regulação da economia, dada como um benefício
para a sociedade, está de fato, relacionada com a possibilidade de a empresa
comandar a sociedade(...) como no Brasil, também com o apoio do Estado.
Enquanto este faz o discurso geral audível por todos, o mercado é que regula e
faz política, por meio de terceiros setores, ONGs subordinadas, empresas
pseudo-sociais (sic) curiosamente elogiadas pelo Estado e até por certas
igrejas”. (p.31)
No bojo de
todo o reconhecimento geográfico que esboça, traz consigo os temas pertinentes
à complementaridade do campo que explora. Assim, a natureza da ecologia, os
fundamentos técnicos, a (dua)(riva)lidade campo vs. cidade, e o embate do
trabalho do geógrafo contra a desfaçatez da sociedade contra o seu campo de
pesquisa, tudo é motivo para sua análise perspicaz.
No segundo
tópico da obra, “Território de Vida”, o geógrafo avança historicamente em sua
formação e percurso, confrontando esse “seu caminho” com a história de sua
atuação jornalística, acadêmica e pública, tanto no Brasil quanto no exterior,
em um voo panorâmico sobre a capilaridade intelectual de seu tempo. Traz então
um de vários pensamentos que testemunham uma síntese da produção (sua e de
outros) quando diz “(...) Enquanto o governo dava sinais de apreciar a
colaboração estrangeira na universidade, a própria universidade tinha
dificuldades em aceitar essas novas decisões. Só recentemente a França se abriu
à colaboração de permanente de professores estrangeiros. Eu fiquei sete
anos(...)” (p. 106)
Diante de
perguntas e questões formuladas pelos seus interlocutores com pertinência e
capacidade, vemos então um Milton Santos em pleno vigor de sua capacidade
criativa e dialógica, que nos assalta com um pensamento rico, amplo e
debatedor; formador e informador, que, longe de celebrar-se apologicamente,
antes, se questiona sempre, tergiversa, duvida de si e dos outros, mas, acima
de tudo, permanece fiel a seus princípios questionadores que nortearam desde
sempre sua visão local e universal.
TERRITÓRIO E
SOCIEDADE – ENTREVISTA COM MILTON SANTOS – Odette Seabra, Mônica de Carvalho,
José Corrêa Leite – SP: Ed. Fund. Perseu Abramo, 2000 (2ª ed. 2001), 128 p.
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