Há casos em que a modéstia atrapalha. O médico, fotógrafo e poeta
Francisco Xavier é um desses. Inspirado e tímido, o nordestino de comportamento
zen, sorriso fácil e gestos comedidos, talvez não tenha ainda se dado conta de
que o minimalismo com que compõe sua arte é elaboração extática e de profundo
“atingimento”. Passei meses colhendo seu depoimento, via e-mail, no
conta-gotas. Nessa empreitada de "desbravá-lo", descobri um pouco da
essência que o move. O resultado desse diálogo está aqui. Convido-os a conhecê-lo.
Xavier: braço tenso, olhar atento |
1) Quem é Francisco Xavier?
Em 1966 nasci no município de
São Raimundo Nonato. Na Fazenda Duas Barras, coração árido do Piauí, chorei
pela primeira vez.
Retirante, cheguei em São Paulo aos 10 anos.
Ingressei na Faculdade de
Medicina de Taubaté no ano de 1987.
A realização deste sonho trouxe-me uma alegria que me
acompanha e me cura até os dias atuais. Abracei minha profissão com tanta força
que a ela me fundi.
Sou o cirurgião que exibe no
consultório, em
São Miguel Paulista, um chapéu de couro sobre a mesa há 18
anos.
Casei-me após 20 anos de
namoro e tenho 3 filhos, sendo que o mais velho, está seguindo os passos do
pai.
Sou silvestre. Apesar da
saudade do sertão ser permanente, sinto-me feliz na cidade que me acolheu.
2) Sabendo que suas mãos
destilam arte na prática da medicina, sabemos que esse seu pendor artístico se
estende por outras praias (poesia, fotografia etc). Como se deu esse
"chamamento"?
Sou muito tímido e, minha
timidez levava-me ao isolamento.
Na adolescência percebi que a
música, o desenho, a fotografia e a poesia eram os meus remédios. Apeguei-me a
eles, sem nenhuma pretensão, até os meus 22 anos.
Durante o curso universitário,
inscrevi alguns trabalhos em concursos e, para minha surpresa, fui premiado
algumas vezes.
Envolvido com o meu trabalho,
fiquei cerca de 25 anos sem escrever.
Neste ano (2012) tive o prazer
de conhecer vários artistas, muitos deles, participantes do histórico Movimento
Popular de Arte (MPA). Entre tantos artistas maravilhosos tive o prazer de
conhecer Escobar Franelas. Este poeta, generoso, teve a paciência de ler e
comentar alguns escritos que eu escondia. Deu-me segurança e ânimo para um novo
começo. Como agradecer?
Hoje, posso dizer que estes
amigos e minha arte, mesmo amadora, foi o que trouxe de volta este meu riso,
que tinha se tornado arredio.
3) De onde (e como) vem a
inspiração para as artes que você pratica?
Tudo que eu faço tem como base
a minha infância e as lembranças que trago da Fazenda Ciências, onde fui
criado.
Acho muito difícil e arriscado
o ato de escrever. Não consegui perder o medo. Escrever é como pular de um
trampolim, fazer manobras no ar e confiar que o leitor, inclusive o próprio
escritor, devolva o trapézio, evitando a queda.
Acredito que escrevo como quem
toma um medicamento essencial para manter a vida, a saúde.
A fotografia, eu pratico de
forma recreativa, com equipamento amador. Desejo estudar e adquirir alguma
técnica futuramente.
4) Percebo que você tem um
método, curiosidade e paixão pela pesquisa. Acredita que a prática da medicina
ajuda na metodologia artística?
Sim. Devido ao treinamento que
recebi, escrevo como um cirurgião. Quando faço a primeira incisão, digo,
rascunho as primeiras palavras, começa uma corrida contra o tempo. Quanto mais
rápido e direto, melhor. Nada de firulas, nada de nós inovadores. Só o
essencial. Os enfeites aumentam o tempo cirúrgico, infectam a inspiração e,
complicado, o poema pode ir para o necrotério.
5) Putz, você escreve poesia
até quando dá respostas para um perguntador chato! rs Então, ampliando o
assunto,onde mais você vê poesia nesse "mundão de meu-deus"?
Em tudo há poesia. Quando não
a vejo foi porque não observei o suficiente. A poesia que mais admiro encontro
na labuta diária, nas lembranças da minha infância e na natureza. Agora, o que
mais me encanta é o trabalho do poeta, este que passa a vida procurando uma
nova interpretação, o embelezamento do corriqueiro e o inesperado. Este
trabalho é poesia da boa.
6) O que você lê, ouve e
assiste?
Atualmente estou lendo Ensaio
Sobre a Cegueira, do Saramago e a obra do José Inácio Vieira de Mello. Gosto
muito da poesia do Mario Quintana, Drummond e João Cabral.
Com relação à música sou
eclético. Gosto muito dos clássicos, principalmente Bach. Música popular eu ouço
no dia-a-dia e, entre os artistas que mais admiro estão: Chico Buarque, Djavan,
Cartola, Zé Ramalho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Toninho Ferragucci e
Arnaldo Antunes.
Assisto poucos filmes, mas os
que mais me marcaram foram: Baile Perfumado, O Palhaço e Abril Despedaçado
entre os nacionais. Entre os internacionais os que mais gostei foram Sonhos e
Rapsódia em agosto, do Akira Kurosawa, O perfume, A Origem e Imensidão Azul.
7) Recentemente você publicou
no Facebook o poema Conjugação Carnal e depois comentou o medo de não ser
compreendido. A incompreensão na arte o incomoda?
O meu objetivo, ao escrever, é
ser o mais simples e direto possível. Nos casos em que arrisco um pouco, sempre
sinto um frio na barriga que, normalmente, é estimulante. Em mim, o frio na
barriga é glacial. Mesmo assim, acho que sem o risco não dá para fazer arte. Só
o insosso é possível.
8) O que é a Casa de Farinha?
A casa de farinha é o local de
trabalho das famílias do sertão nordestino. É onde se produz a base da nossa
alimentação: a farinha de mandioca. Sendo símbolo de alegria e de fartura, deu
nome a um espaço dedicado aos costumes do povo do semi-árido aqui em São Miguel Paulista.
Aos poucos estamos trazendo nossa culinária, música, literatura, objetos e,
futuramente os sons da caatinga. É um local ainda em formação, mas muito
querido.
9) E o que é poesia?
Para mim é poesia o ponto de
vista, incomum, que causa admiração e espanto em quem lê, vê, degusta, ouve
e/ou toca.
A inspiração é o que
desencadeia tudo. Esta, porém, tem origem desconhecida, parece que nasce com o
indivíduo e independe do nível cultural e social.
A poesia, como todas as artes,
é necessária para diminuir a angustia, e manter a vida.
Poesia no olhar |
Os vira-latas
Forró, latinha e
fuá
Nas noites uivam tristes.
Insone, contenho
meu uivar.
CHEIODEMIM
OVAZIO
DETI
Seqüestro relâmpago
Sem crédito
O débito
É obito
AMOR
ACUA
ADOR
* Nota 1: Restaurante Casa de
Farinha: rua Santa Rosa de Lima, 1341, São Miguel Paulista, SP
* Nota 2: um pouco da arte
fotográfica de Xavier poderá ser vista a partir de 06 de abril próximo, quando
será aberta no espaço A Casa Amarela a exposição “Sujeito São Miguel – Diálogos
Intermitentes”. A mostra trará ainda fotos de Alexandre D´Lou e Vanderson
Atalaia. A Casa Amarela – Espaço Cultural (R. Julião Pereira Machado, 7, São
Miguel Paulista, SP)
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