“O LOBISOMEM DA AV. SÃO JOÃO”- COSTA
SENNA
Apresentação
O Lobisomem da Avenida
São João, do
cordelista, ator, cantor e músico Costa
Senna, é sua primeira incursão pelo universo da prosa fictícia.
E que estréia! Depois de
vários livros dedicados ao cordel, a explicar o raulseixismo e outras viagens
poéticas, o Poeta (como também é conhecido), motivado pela sua rica experiência
de décadas vivendo em São
Paulo, descortinou, através desta nova obra, os vãos da
grande metrópole. Para isso, personalizou-se em Jano, um cidadão de vida
simples, mas que o acaso fez com que se encontrasse com um tipo muito incomum
para uma cidade: um lobisomem. No entanto, contrariando a lógica cartesiana da
sociedade, selam amizade. A partir desse ato, desencadeia-se profunda transformação
na vida de ambos.
Tramado sabe-se lá por
quais forças que regem a vida, um mesmo brinde é erguido à bênção da fraternidade
e à maldição dos condenados, dos que vivem à sombra, sem qualquer possibilidade
de diálogo com o mundo dito normal.
O Lobisomem da Avenida
São João
apresenta outros recursos encantatórios, mais sutis e complexos: a Pauliceia
fica toda exposta, com seus artelhos e artérias de aço, os nervos de plástico, a
pele de granito e vidro, sua alma de fumaça. Tudo fica exposto, pontilhado por
uma gradação noir, numa atmosfera de (sur)realismo
fantástico tupiniquim. O coloquialismo vibrátil, as variações semânticas e a
sensação de thriller cinematográfico do enredo, são alguns dos outros achados
que o livro oferece. Recordando o escritor português Fernando Namora1,
Costa Senna recrudesce a teia de
emaranhados fictícios, “juntando os elementos estruturais típicos à crônica do
viver diário, abrindo o campo semântico às experimentações do homem que sonha,
ao mesmo tempo em que lê uma realidade”.
Nesse redemoinho, afinal,
quem está sonhando? Jano, com o lobisomem? Ou nós, que assistimos às suas
histórias? Não sabemos se estamos imersos no pesadelo, ou se é apenas o
pesadelo dos outros.
Assim, o Poeta acena com
infinitas afinidades para a interpretação o mundo irreal, fantástico. Usa prosa
fluente para nos levar numa longa peregrinação em torno da grande metrópole que
é Sampa, mas também poderia ser Nova Iorque, Londres, Paris ou Tóquio.
Em complemento, o que
diferencia O Lobisomem da Avenida São João em sua essência, dentro do
liquidificador literário de Costa Senna
é a observação arguta dos diversos ângulos que lêem o social. Pois sabemos que
uma mesma realidade se apresenta ora antagônica, ora complementar, dúbia na
maioria das vezes, dentro do complexo tecido tramado para aqueles que a vivem.
Incrivelmente, é disso que sempre esquecemos.
Distante, “muito
distante”, mas próximo, “muito próximo”, da tradição do mundo fantástico de um Cortázar,
Rubião, e J. J. Veiga, Costa Senna revela-se
herdeiro mas apresenta-se com dotes próprios. Perscruta, apropria-se, mostra conhecimento,
desenvoltura e desvelo, urbano e humano.
Circunstâncias naturais
de sua vida levaram-no ainda criança para o interior do Ceará. Lá, viveu parte
de sua juventude entre cantadores de viola, emboladores, cordelistas,
contadores de histórias etc. Toda essa gente embasou o diamante que urdia em
ser lapidado. Depois veio a contracultura, a descoberta de infinitas
possibilidades estéticas que, aliadas à brasilidade, renderam múltiplos
elementos que desde então estão sendo trabalhados arduamente pelo múltiplo
artista, que agora engloba também o romancista.
A leitura d´O
Lobisomem da Avenida São João é um prazer auspicioso, um cálice de
vinho de boa safra que Costa Senna
nos oferece. Devemos, então frui-lo com prazer, pois é a isso que se oferece.
Escobar Franelas
(1)
Fernando Namora, em Um Sino na Montanha, pag. 83.
Um comentário:
Obrigado poeta por tão bela apresentação. Leio, leio, leio
e cada vez que leio parece nascer uma vontade forte de ler novamente.
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