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16.7.12

Análise fílmica das obras de Eduardo Coutinho: "Jogo de Cena" e "Cabra Marcado Para Morrer"

Aspectos reais e ficcionais de Eduardo Coutinho: um análise de "Jogo de Cena" e "Cabra Marcado Para Morrer"

Uma intrincada artesania fílmica faz de Eduardo Coutinho um documentarista sui-generis na cinematografia brasileira e do mundo. Pois se há algo que atesta uma unidade narrativa em Cabra Marcado Para Morrer (1985) e em Jogo de Cena (2007), dois dos filmes do autor que serão analisados nessas linhas, é essa conflitante e tortuosa linha em que ele se esgueira, o artesanato inspirado, a elaboração profícua e a proposta de andar sempre no limite entre as múltiplas linguagens que o cinema permite.
Em Cabra Marcado Para Morrer (1985), Eduardo Coutinho opta por quebrar todas as convenções das escolas cinematográficas. Usando de vários artifícios inovadores em sua composição fílmica, estabelece alguns paradoxos renovadores, como:
a) auto-participação na trama: a voz do diretor, em off,  ora “explica”, ora “apresenta” o filme;
b) a metalinguagem (filme falando do próprio filme) é uma profunda panorâmica sobre o work in progress totalizante da obra, que dá idéias claras sobre o modus operandi do realizador. Essa idéia depois seria retomada e aplicada à exaustão por diversos outros criadores; (Exemplo 60´15´´)
c) uso de forma criativa de trechos do filme anterior na composição da trama, “disfarçando”, assim, possíveis dificuldades e imperfeições técnicas;
d) a presença da câmera é subjetiva, ao mesmo tempo que objetiva. As pessoas interagem com ela, olham constantemente para ela, se incomodam com ela, ficam curiosas em relação a ela; (Exemplo: 24´)
e) uso de imagens da gravação inseridas no meio do discurso, provavelmente para “tapar buracos”, de imagens deterioradas ou trechos de áudio sem imagens. (Exemplo: 35´50´´)
f) uso de narrações não convencionais que possibilitam novas formas; (Exemplo 53´40´´)

Em Jogo de Cena, de 2007, Eduardo Coutinho também parte da mesmo lógica do filme anterior, ou seja, propõe que algumas pessoas contem histórias de suas vidas. Contudo, algumas dessas histórias serão reinterpretadas por atrizes diversas (Andréa Beltrão, Marília Pêra e Fernanda Torres). A representação de novo faz presente, para ressignificar o que pode ser verdade, mentira ou representação.
 Em Cabra(...), Coutinho construía, como um jazzista inspirado, usando os elementos que se dispunham ao longo do tempo para que compusesse sua história. No enredo de Jogo(...) isso não acontece, pois percebe-se uma possível pré-disposição do diretor para que esse efeito seja alcançado. Não há mais o improviso jazzístico, mas a busca por uma densidade que, se não é programada, pelo menos é prevista.
Com isso, algumas questões surgem e merecem ser explicitadas:
a) percebe-se em diversos momentos a intensificação da carga dramática, quando as narradoras são filmadas em close-ups, justamente quando fazem relatos mais emotivos. Em momentos emocionalmente “menos fortes”, a opção do diretor é por planos médios e americanos;
b) todos os depoimentos são dados por mulheres/atrizes. Homens são mais relutantes em participar desses “jogos de cena”, a ponto de não se inscreveram para o filme?
c) novamente, como em Cabra Marcado Para Morrer, o diretor não se “esconde”, antes, também protagoniza no filme;
d) a contribuição de Eduardo Coutinho está também em desfazer métodos e mitos quando, por exemplo, a atriz Marília Pêra mostra um invólucro de cristal japonês, que, se necessário, iria utilizá-lo para “chorar” em cena. Tal cena poderia ser suprimida na edição final do filme, mas, sagazmente, o autor deixa-a justamente para problematizar a questão em aberto: devemos “representar” a vida real? Ou devemos “vivê-la”?
Diferentes entre si, com fluxos narrativos muito particulares e uma intricada laboração artesanal, os dois filmes em questão cotejam com especifidades muito abrangentes da autoria de um filme. Pois, sendo eles criações muito plurais, ainda assim podem ser observados sob a agudeza de um criador, de (e para) onde convergem todas as energias criadoras das obras.

Fontes:
Cabra Marcado Para Morrer, Brasil, 1985, colorido/preto e branco, 119 min. http://www.youtube.com/watch?v=VJ0rKjLlR0c <AcesSO Em 18/04/2012>
Jogo de Cena, Brasil, 2007, colorido, 100 min., distribuição Videofilmes, RJ
http://www.imdb.com/name/nm0184202/ < AcesSO Em 23/04/2012>

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