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26.7.12

Entrevista: Zé Carlos Batalhafam

Zé Carlos Batalhafam, Poeta (foto arquivo pessoal)

"Dois dedos de prosa"

"Zé Carlos Batalhafam, autor de obras seminais como "Verdades e Mentiras" (poesia) "Trilogia das Palavras" (poesia) e "Vila Nhocuné – Memórias da tapera da finada Ignêz & outras memórias" (história), é um incansável batalhador da palavra enquanto arte e da cultura enquanto expressão cidadã. Lá se vão vinte e poucos anos como um dos articuladores do Primavera nos Dentes, primeiro movimento literário organizado na região de Itaquera e agora responde pela direção e curadoria do Sarau do Nhocuné, onde mensalmente reúne um panteão de poetas (da região e de outras “pasárgadas”), para declamar, trocar idéias e saberes dentro de um bar na Vila Nhocuné.
Há muito que queria trocar uma prosa com ele, saber de sua vida, sua poesia, o que pensa sobre diversos assuntos, coisas assim... e essa oportunidade nunca que surgia. Então apelei para a tecnologia que temos em mãos hoje. Comecei a mandar as perguntas via e-mail e ele respondia quando podia.
São estas respostas que estão aí, comprovando a sapiência e experiência de um batalhador incansável e um homem com uma vertiginosa apropriação da palavra."


1) Quem é Zé Carlos Batalhafam?
A pergunta é interessante, milenar, de difícil resposta e, sempre, reducionista.
Vivo na zona leste de São Paulo; mas, sou natural de Jales, uma cidadezinha agradável do interior paulista. Por vocação, treino e "natureza"; sou um escritor, um poeta. Na verdade, o que sou mesmo, é um aprendiz; um operário da vida e das letras.

2) Como a poesia (ou a literatura) iniciou-se em sua vida?
O mergulho no mundo da literatura foi prosaico; deu-se, ainda na infância; a partir da leitura das HQ's (gibis) e dos livros de Monteiro Lobato. A poesia, também veio na idade escolar; a partir dos poemas de Cecília Meireles e Manuel Bandeira. Só mais tarde, na adolescência, fui descobrindo os clássicos russos: Gorki, Tostoi...; os ingleses: Byron, Shelley e Wordsworth..., e na idade adulta, os lusófonos: Eça de Queiroz, Pessoa, Florbela Espanca, Drummond, Machado de Assis...

3) Quando você começou a praticar seus escritos? Foi - como a maioria de nossos confrades - na adolescência?
Sim, na adolescência. O primeiro conto nasceu da provocação de uma professora de português que pediu à classe para que escrevesse uma redação diferente; que deixasse a mente fluir; saiu um conto futurista. Já o primeiro poemeto, foi escrito para uma platonica namoradinha; somente 30 anos depois, ela soube que foi musa e amada.

4) E quando foi que você enveredou mais profissionalmente pelo caminho das letras?
Em 1987 publiquei meu primeiro livro, o "Verdades & Mentiras". Desempregado e cursando o Técnico de Publicidade, me vi obrigado a sobreviver do livro. Isso durou dois anos. Noite após noite, vendia os livros na porta dos cinemas, dos bares e restaurantes  de São Paulo. Em diversos momentos, me encontrei com Plinio Marcos que, também, vendia seus livros da mesma maneira. Foi uma fase dificil; mas, muito interessante; pois, a cidade e as pessoas eram mais generosas, abertas às experimentações da época.. Hoje, aproveito bem as janelas daquela experiência.

5) Quando o vi pela primeira vez, foi durante o Primavera nos Dentes, em Itaquera, mais ou menos em 1989, 90. O que foi aquilo?
Naquele período, de 89 a 93, fui assessor de Comunicação, Imprensa e Cultura na subprefeitura de Itaquera. Para juntar os grupos e artistas da região, juntamente com os poetas: Erorci Santana, Talmo Pedrosa e Dilson Botto, em 1990, elaboramos e executamos o projeto: "Primavera nos Dentes". O objetivo foi abrir espaço e dar visíbilidade à produção cultural local. Reunimos diversos grupos de dança, de teatro e poetas; publicamos um livro coletânea de poesia, e estabelecemos um circuíto cultural com apresentações de dança, teatro e leitura de poemas nas escolas públicas do território. Foram mais de três meses de agito e milhares de jovens e adolescentes contemplados pelo projeto. Itaquera virou um caldeirão cultural.
A partir do "Primavera nos Dentes", Itaquera ganhou três ótimos espaços para a arte, a cultura e o lazer: a Praça da Cultural no centro de Itaquera, a Praça Brasil (hoje Mãe Menininha do Gantois) e o Parque Raul Seixas e sua Casa da Cultura, no conjunto José Bonifácio (Cohab II). Alem disso, otimizamos outros espaços, como: a Praça Dilva Gomes, na Cohab I. Com o "Primavera nos Dentes", Itaquera passou por uma efervescência cultural fantástica. Deixou raízes.

6) "[...] não há rima, amigo, amiga /  só há o perigo, que não rima com a vida. / Uma rima que não atina com nada. [...]" (Religare, in Trilogia das Palavras). Sua poesia nos explicita uma "solidão" diante da vida. Estamos condenados a viver só, na arte? Ou estamos condenados a sermos sós, enquanto artistas?
O Religare é um poema social, político; mas, é interessante a leitura que você faz. De fato, penso que a solidão seja um estado (e condição) importante para a criação; mas, não usaria o termo "condenados"; pois, não penso que ela (a solidão) seja ruim. Além do quê, a arte, por mais coletiva que seja, sua elaboração se dá, sempre, no plano individual. Claro que os fatores coletivos influenciam a criação; mas ela é sempre individual e, quando compartilhada, é recriada, reproduzida. Na arte; na criação, a solidão é nosso "fado", e nesse sentido, até em função do "ego", sim, estamos "condenados".

7) Zé Carlos Batalhafam, o que você está tramando no momento?
Com outros "comparsas", entre os quais incluo-o, estou desenvolvendo ações culturais (Sarau do Nhocuné) para acúmulo de forças e, a partir de outubro próximo, pretendo "atacar" o governo federal, e outras instâncias governamentais, para forçá-los a implantar um "Pólo de Cultura" na região de vila Nhocuné. Penso que esse seja um dos papeis dos produtores culturais: lutar na "trincheira" da cultura; forçar o provimento de espaços culturais na cidade.

8) Batalha, você é um otimista, realista, reformista ou idealista?
Reparou como essa pergunta nos remete à primeira?!. Penso que, nada e ninguém, seja apenas isso ou aquilo. A depender do momento, da conjuntura, da situação, agimos e reagimos, sempre de forma diferente. Sou um poeta; faz um tempão que rompi com alguns dogmas e não penso, exclusivamente, de forma linear; mas, no geral, me considero um otimista.  Você já ouviu Maria Bethânia?! : "Eu sou a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma...Eu sou a sereia que dança, destemida Iara..."

9) Mas, afinal, o que é a poesia? Ou, melhor ainda, o que é arte?
A definição do que seja "poesia" e "arte", passa sempre pelos valores relativos. Muitos já tentaram definir o que seja poesia, e é variado o entendimento. No geral, poesia é definida como: a forma pela qual a linguagem humana é utilizada para transmitir ou expressar a beleza (e aqui vale lembrar que, o que é belo para uns, pode não ser para outros). Porém, todo texto que toque a sensibilidade, que emocione, seguramente, é poético, possui poesia; sobretudo, quando sua linguagem é alegórica, sugira imagens, e fuja do lugar comum. A "arte", também depende dos valores relativos para ser conceituada. E dentre esses valores, o elemento estético, é o que melhor a define. Cada época, e cada comunidade cultural, tem seus valores.

As obras de ZC Batalhafam, expostas durante a Feira Alternativa de Arte (FALAR), em Santos, em maio último (foto EF)



NEGRITUDE
Depois da mãe África
Teu berço é Palmares
Tua dança
Tua ginga
Teus deuses natura.
E antes de tudo,
Teu berço é cultura
Tua graça
Tua raça
Africandura.

(in, Palavras Cruzadas, folheto, impresso. SP: maio de 92, ano 1, nº 4)

FACE A FACE
Escrever
é como fazer espelhos;
deixar refletir
o rosto de quem lê.

(in, Trilogia das palavras. SP: RG, 2007)

O poeta, em 1996 (foto arquivo pessoal)

Mais infos sobre ele:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=74021
http://textolivre.com.br/component/comprofiler/userprofile/Batalhafam
http://saraudonhocune.blogspot.com.br/

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